Não sei se já falei sobre a noite escura. Essa expressão apareceu em uma revista, quando fazia referência à Madre Tereza de Calcutá e suas terríveis dúvidas sobre a existência de Deus. No entanto, a expressão vem de São João da Cruz, o poeta místico por excelência; ele é que usa essa expressão para significar uma dupla dúvida:
- Se valia a pena continuar submetido a tantas provações, inclusive dos próprios monges pelos quais foi raptado para lugar secreto, ermo, ao desamparo? Isso é noite escura, mas esses aspectos são externos.
A segunda forma de noite escura de fato acontece é no interior do místico e a coisa funciona mais ou menos assim: entre a mente e a Consciência de todos nós existem os traumas psicossomáticos: raiva, inveja, vingança, originadas por situações conflituosas. Esses valores constroem o máximo de obstáculos e bloqueiam a passagem da mente para a Alma.
Na literatura, esses traumas são representados por monstros com que o herói tem de lutar. A tentativa de passar por esses inimigos, as dúvidas que eles causam, em virtude de sua resistência, é que constitui de fato a noite escura: temos de lutar e não sabemos com quê.
Guimarães Rosa escreveu um conto em que um homem vai pescar num poço; à flor da água há uma cobertura de folhas secas; ele joga o anzol; quando o peixe fisgado vem, puxado pelo anzol, uma serpente debaixo da folhagem devora o peixe; os monstros não deixam que a luz chegue até nós. Entre nós e os peixes está o monstro impedindo o êxito de qualquer iniciativa nossa. Se fisgarmos algum peixe, se tentarmos descer com a mente à consciência, os bloqueios não deixam a mente passar.
Noite escura é isso, multiplicada por mil; o místico se vê rodeado de tanta incerteza que sua vida se torna um rodamoinho.
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