Há algo de vazio de desalentador neste episódio; uma certa dose de ingenuidade preside essa cena de marionetes.
Nivelar o animal à condição humana, além de inusitado, é folclórico; mas a juíza alega que, na cidade, não há canil e pediu que o processo seja agilizado.
É esperar pra ver.
Pensando bem, quem está errado sou eu; eu me corrijo: todos têm razão; essa cachorra deve ter aprendido com Lavoisier sobre a sobrevivência do mais forte e a juíza não pôde relaxar um processo por estar na boca do povo.
Muitos quererão linchar a assassina por invasão de domicílio; e os guardas se porão de prontidão, em alerta máximo, baionetas em punho. Quem sabe não seria melhor culpar a professora? Ela não ensinou geografia, direitos e deveres de cada um, controle de instintos entre os animais.
Foi dizer isso e um alvoroço geral ganhou corpo e o povo se plantou diante da escola e se levantaram os filhos do povo em defesa da ilustre educadora. Então todos se recolheram a suas trincheiras, buscando um bode expiatório. Não demorou e outros avolumaram a culpa sobre o delegado no aceitar uma queixa tão esdrúxula; mas, como resistir aos ímpetos de uma mulher irada? Como deixá-la sair com as mãos ainda sujas do sangue inocente? Sabe lá Deus com que encantos essa mulher foi à delegacia!
Lances paralelos de tanto folclore vão se somando à confusão geral, por exemplo: a quem o oficial de justiça vai entregar a intimação? Será preciso nomear um promotor, um advogado de defesa e a coisa vai se espichando.
No dia do julgamento, auditório acotovelado; grandes lances de retórica; peças oratórias de grande força e, por fim, o fecho emocionado com arrebatamento de encaminhar a sentença para a pena de morte..., dada a gravidade do fato que alcançou limites acima da Constituição.
Em meio à animosidade dos causídicos, a juíza interromperia os lampejos e se proporia a assumir a adoção do réu. (aplausos, muitos aplausos)
O julgamento seria suspenso e a repercussão na cidade levantaria foguetório. Assim se fecharia o círculo, e um episódio que começou com sangue, terminaria com festas no coreto da pracinha.
Um orador do lugar, no embalo de arroubo oratório tomaria emprestada a frase de Machado de Assis: “Deus, querendo superar Deus, criou dona Evarista”; a Doutora Juíza, superando-se a si mesma decidiu-se pela preservação da vida. Sua Excelência surge como aurora nos céus desta cidade a iluminar nossas consciências num momento de angústias, com um gesto de tamanha grandeza.
E a senhora desceria do palanque conduzindo seu troféu a que ensinaria boas maneiras e teria uma discípula aplicada e obediente até que lhe acendesse o instinto de matar o próximo bichano.
Ué! Será que eu fiquei louco!
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