quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Vozes Internas - Complemento (Em 16/06/2006)

O poema abaixo é de Fernando Pessoa; ilustra as aparências de que essas vozes internas se revestem, pela pretensão de um saber que elas não têm porque são geradas nas sombras.

“Olá, GUARDADOR de rebanhos,

Aí à beira da estrada,

Que te diz o vento que passa?”

“Que é vento, e que passa,

E que já passou antes,

E que passará depois,

E a ti o que te diz?”

“Muita cousa mais do que isso.

Fala-me de muitas outras cousas.

De memória e de saudades

E de cousas que nunca foram”

“Nuca ouviste passar o vento.

O vento só fala do vento.

O que lhe ouviste foi mentira,

E a mentira está em ti”

“Aí à beira da estrada” a palavra “aí” sugere o distanciamento que as vozes querem

manter do guardador de rebanhos, como se elas desfrutassem de um status superior ao dele e

não quisessem se misturar.

“Que te diz o vento que passa?” Considerando que o vento não fala, essa pergunta é

uma zombaria, gozação, desrespeito com a condição humilde do guardador; este verso deixa subentender que as vozes nada sabem sobre um homem em contato com a natureza; não

sabem que a vivência dele o faz ler dentro dos componentes da natureza.

Na terceira estrofe, essas vozes se manifestam pedantes rançosas: utilizam-se três

vezes da palavra “cousas”, um termo em desuso para induzir erudição.

A afirmação “muito mais do que isso” é ostentação, querer se colocar acima, num plano

de cultura superior; no entanto, as afirmações seguintes são vazias, sem qualquer conteúdo

e terminam a estrofe quase com uma evasão, indicando que elas não conseguem sustentar uma seqüência lógica“ com a expressão: “cousas que nunca foram”; não sabem o que afirmam.

O guardador, no entanto, indica qual é o conteúdo delas: a mentira, fantasia, vaidade, vulgaridade; tudo isso “está em ti”; está nelas que assim agem em todas as situações.

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