quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Condições do Espírito I ( Em 02/03/2007)

O espírito humano é formado pela utilização que cada um de nós fizermos da própria mente; nós estamos utilizando a mente apenas voltada para o mundo de valores concretos; o espírito humano é formado apenas pela mente voltada para os valores concretos.

O assunto me parece grave e se refere a cada um pessoalmente.

O interesse aqui é pelo espírito encarnado: o meu, o seu, o do outro. Este está esquecido, marginalizado. Sabe aquele menino de rua? Assim está nosso espírito.

Sabemos que este plano é o do movimento, tudo se agita; por oposição, o próximo mundo será o do repouso.

Quando nosso espírito sai deste plano, entra no âmbito do repouso; se ele não levar experiência do repouso, fica à deriva; não consegue atuar, como fazia no mundo do movimento.

No mundo do repouso, a única ferramenta de trabalho é a mente; nossa mente aqui está habituada a trabalhar com valores concretos; do outro lado não existem valores concretos; a mente fica sem função.

Para se ter uma idéia de como fica o espírito do outro lado, é só pensar num astronauta fora da gravidade: ele flutua sem controle; assim fica nosso espírito se não levar daqui a experiência do vazio pela meditação.

Nosso esforço será o de dotar o espírito de meios com que possa se mover fora daqui.

É preciso pensar sobre o assunto.

Nós não podemos ignorá-lo; existem outros impedimentos que mantêm nosso espírito ainda mais isolado; dou apenas um exemplo: nosso espírito não consegue se comunicar com a alma. Ambos atuam em campos diferentes: a alma vinculada à consciência; o espírito vinculado à mente; é como se o espírito estivesse de costas para a alma.

Condições do Espírito II ( Em 02/03/2007)

Marido e esposa podem trabalhar em campos diferentes, mas ambos têm o mesmo objetivo: o bem dos filhos, a estabilidade do lar; entre o espírito e a alma não existe objetivo porque os dois estão incomunicáveis; as relações foram interrompidas.

O espírito humano está afogado no movimento; o espírito humano não tem condições de se despreender do movimento, se nós não interviermos por ele; o espírito humano já se tornou uma peça solta na engrenagem sagrada.

O espírito humano pede socorro.

Estou apresentando o problema e estou apresentando a solução; se o problema se acumulou aí no tempo de sua idade, a solução pode demorar, mas é preciso começar já. A solução é a meditação. Onde praticar a meditação? Onde você estiver, concentre-se no coração: no ônibus, na rua, no metrô, qualquer lugar é o lugar apropriado porque o exercício se verifica dentro de você.

Outro exercício que você pode fazer de brincadeira, mesmo de pé, com o ônibus lotado, é prestar a atenção nessas vozes que falam dentro de você, sempre sobre coisas que estão fora de sua realidade. Não tente sufocá-las, não-nas reprima; simplesmente as observe.

Esses exercícios de concentração nada têm a ver com distração; ao contrário: quando mais você se concentra, mais a consciência fica desperta.

Tenha de cor um texto curto de seu agrado: um poema, uma canção, um ditado popular; em vez de deixar que essas vozes corram soltas, recite esse texto, dez, vinte vezes. Assim você estará entrando com a mente em você e ensinando seu espírito a se defender desses inimigos.

Um espírito sem preparação aqui é como um estrangeiro que chega a um lugar, não tem guia, não conhece a língua, não conhece as pessoas, nada sabe sobre os costumes, não tem onde morar nem lugar para sobreviver.

Todos esses recursos estão dentro de nós mas, se não t

Condições do Espírito III ( Em 02/03/2007)

Uma borboleta lutava para sair do casulo. Ela se esforçava para fazer com que as partes do corpo passassem pelo pequeno buraco.

O homem decidiu ajudar; pegou a tesoura e cortou o restante do casulo. A borboleta, então saiu facilmente. Mas o corpo estava murcho, atrofiado; não tinha participado do esforço na saída.

O homem esperava que, a qualquer momento, as asas se abrissem para o vôo. Nada aconteceu! A borboleta pouco durou: não se desenvolvera pelo esforço.

Isso é bem típico da educação de hoje: os pais estão forçando a saída dos filhos do casulo e eles nascem atrofiados; não participaram do esforço da própria formação. O espírito se atrofia acomodado e nem sequer tem consciência de que precisa consertar o que lhe fizeram na entrada neste plano.

Luz e Sombra - I (Em 23/02/2007)

Nasceu a Manuela, a netinha do Simões.

O Simões, além de ser talento, é um místico. Nós pensamos que este mundo está perdido; não conhecemos homens como o Simões; o Simões é um ser humano que nos dá exemplo de abdicação de seriedade, na busca obstinada de fazer a coisa com perfeição. Simões é um mestre de se soltar de si mesmo; Simões é coragem viva.

Do nascimento da Manuela, ele me escreveu que ficou feliz também com o nome e me cobra uma resposta: por que tanta alegria na chegada e a tristeza na saída? Responda, diz ele. Simões trem vivência nesses dois estágios de sua via crucis.

E fico me remoendo nesta cadeira, sem encontrar uma brecha com que atender meu velho amigo de tantas discussões. O Simões entrava na sala e a discussão pegava fogo, sempre em torno de temas sobrenaturais. Parecia que ele já vinha munido dos meios com que me aguçar o debate. Simões conhece meus pontos fracos. Se vire, responda.

Esse jogo de entrada e saída é de predominância dos órgãos dos sentidos: nós queremos ver, ouvir, apalpar. Quando essas exigências não são satisfeitas, vem a instabilidade. Se o filho, a filha fica um tempo sem comunicação e sem prévio aviso, entramos em parafuso; se telefona, se o ouvido identificou sua voz, é o alívio, as tensões se diluem.

No caso da ida sem retorno, nós nos desesperamos por três motivos:

- temos consciência de não mais vermos o que víamos,

- o que estamos vendo já não é o que víamos,

- consciente ou inconscientemente, nós nos projetamos naquela situação.

Despedir-se é um exercício de despreendimento, sobretudo quando essa despedida é a última. Acontece que não estamos preparados para nos despreender; na dor da perda, um nível de inconsciência parece transmitir aos sentidos a mensagem, mas eles não-na compreendem; descontrolamo-nos, porque a realidade está ali desfigurada, já não é o que víamos, limitada apenas à visão; é o que sobrou do que os sentidos conheciam.

Luz e Sombra - II (Em 23/02/2007)

O terceiro fator de nosso descontrole na ida é, queiramos ou não aceitar, o fato de sabermos que aquilo se passará conosco. Aquela coisa sorrateira vai nos deixar assim; temos também a consciência de que não se chega àquele estado sem uma grande dor física e essa nos apavora mais do que aquela em que essa desemboca.

Com todo o respeito, mas é comum ouvirmos expressões do tipo: “como eu vou viver sem ele, ela”? O que caracteriza essa frase é o medo do vazio que cresce ali às margens daquela coisa sem rosto, sem capa preta.

Essas circunstâncias é que diferem a vinda da ida. Na vinda, alimentamos expectativas, os augúrios, os corações se abrem para receberem aquela criaturinha que, além do mais tem data certa de chegar e nos pomos a recebê-la, mal foi anunciada sua vinda.

Na ida, tudo é de supetão; nada é preparado, não participamos daquilo; quando damos fé, a energia cessou, apagou-se a luz. Requescant in pacem.

Mas o que temos de celebrar agora é a vida e a vinda. A Manuela será educada sob um Conselho de pessoas bem formadas; será mais uma luzinha no mundo e queira Deus que tenha a disposição de tomar a tocha da família e conduzi-la por entre os corações.

Então seremos nós que descansaremos em paz.

Luz e Sombra - III (Em 23/02/2007)

Vale repetir a história daquele conferencista que entrou no estádio e pediu que se desligassem as luzes; tudo apagado, ele acendeu um palito de fósforo, no centro do campo.

- estão vendo a luz?

- sim. Estamos.

- apesar de pequenina pode ser vista por todos, não é?

- sim. É verdade.

- acendam agora seu fósforo ou isqueiro.

- e a luz de cada um dissipou as trevas naquele ambiente.

Reserve 5 minutos por dia para se concentrar no coração; não fale, não peça, não se dirija a nada; apenas permaneça ali em concentração; com a mente, você vê as veias os espaços vazios, o movimento do coração.

Faça de tudo para não enrijecer o coração; deixe-o distendido; sempre solto

O Desamparo de Cada Dia I (Em 16/02/2007)

Você viu? A violência arrastou o menino; o horror grita em nossa sensibilidade e vemos a cena se arrastando pelo itinerário do demônio. Alguém perguntou: por que Deus deixa acontecerem essas coisas?

Nossa concepção de Deus é de um Deus do lado de fora de nós, como um árbitro, controlador de nossas ações.

Deus não está do lado de fora; do lado de fora é o movimento; no movimento estão dois atributos de Deus; Deus está no repouso; o repouso se verifica dentro do ser humano; não se atribua a Deus a condição de vigia para nos corrigir; Deus estava na criança arrastada; na criança arrastada estava o repouso; Deus também era vítima daquelas atrocidades.

E aí a pergunta se altera: - se Deus está em nós, está também nos bandidos que arrastaram a criança. Que Deus é esse!

Lembra-se daquele índio? Ele dizia que dentro dele havia dois cachorros; um era bonzinho, quietinho; o outro, violento; mesmo assim, os dois se enfrentavam; viviam sempre brigando. Um dia alguém lhe perguntou:

- qual dos dois vencerá?

- aquele que eu alimentar mais.

Esses rapazes alimentaram mais o cachorro raivoso, feroz e este expulsou o outro. Não foi uma bem uma expulsão: o outro continua nas dependências daquelas criaturas de trevas, só que está abafado, impedido, pela violência do movimento. Isso acontece porque temos inteligência para optar e damos preferência ao cachorro violento; ele engorda dentro de nós e nos surpreende com absurdos assim.

Digo que Deus está dentro de nós; este verbo “está” indica transitoriedade, instabilidade; não indica permanência exatamente porque há a possibilidade de nós pormos o cachorro feroz a subordinar o outro a seus caprichos; foi o que aconteceu. Deus continua lá, mas em latência.

O Desamparo de Cada Dia II (Em 16/02/2007)

Deus não é um guerreiro circulando pelo céu, armado de capa e espada e censurando os desvios humanos; Deus é mais uma espera dentro de nós. É conhecida a afirmação de Einstein: “Deus não joga com dados”, isto é, Deus não cria probabilidade; não há probabilidade de Deus estar aqui ou ali, que não seja no ser humano; de Deus atender ou não atender; Deus atende a quem se abre; então ele se manifesta em nós. E surge uma terceira pergunta:

- aquela criança era inocente?

- sim.

- se ela era inocente, ela estava aberta. Concorda?

- sim. A inocência é a maior das aberturas; a inocência é um instrumento de Deus; aquela criança era inocente; Deus se serviu dela talvez para nos advertir por algo ruim que estava por acontecer.

Não procuremos Deus no espaço; o espaço é o lugar da Consciência.

A propósito, você pensou que o itinerário do demônio foi de sete quilômetros 7? É para pensar sobre esse número sete; relacioná-lo com algum recado de Deus.

O cientista foi à lua e afirmou que não viu Deus no espaço; entre o cientista e aquela menininha, eu fico com a menininha; ela dizia:

- sabe professora, minha mãe disse que Deus é como o açúcar que a gente põe no café;

ninguém vê o açúcar, mas ele está lá; se tirarmos o açúcar, o café fica sem gosto e amargo.

Sem Deus, as coisas ficam amargas e você há de convir que não havia Deus no coração desses facínoras que nos deixaram o gosto amargo de desamparo, de impotência ante as forças avassaladoras da miséria, da miséria humana. A curto prazo, não há como conter essa avalanche senão pela união com Deus em nosso interior; essas forças parecem nos empurrar para dentro de nós mesmos; elas são a mais requintada manifestação das trevas, onde atuam criaturas sem olho, sem boca, sem cérebro; o coração chagado pela devassidão.

O Desamparo de Cada dia III (Em16/02/2007)

O texto a seguir aparece entre aspas, sem indicação de autor; a quem peço desculpas por inseri-lo aqui sem sua aquiescência.

“As formigas são infectadas por um parasita que lhes toma conta do cérebro. Elas ficam subindo por folhas de capim até alcançarem o ponto mais alto, quando então caem e recomeçam a subida. O parasita ordena esse movimento porque quer que a vaca coma o capim com a formiga e ele possa se alojar no estômago da vaca e completar seu ciclo.”

Os viciados, os violentos são essas formigas a serviço de uma causa que desconhecem; o mal é o parasita que se lhes insinuou no cérebro e conduz essa gente por controles remotos; se não sintoniza bem o canal, troca a pilha...

Idéia Fixa (09/02/2007)

Tenho idéia fixa sobre a interioridade humana; meus textos não se cansam de repisar o que já foi sovado, espremido e de que se retirou o suco. Eu, com certeza, não consigo enxergar além desses limites. Não tenho noção de onde queira chegar nem se é para chegar com esses textos; sei apenas que não posso me omitir; sou prisioneiro dessa idéia; a minha roda do tempo parou, em que lugar? Que região é esta? Qual dos animais é o guia, o que puxa a carruagem? Ele deve ser contido ou estimulado a correr? Fato é que eu fiquei para trás, há muito eu via a paisagem, mas agora ela se exibe apenas nas duas dimensões de mim mesmo, onde o tempo gira e onde o tempo parou. Sim, o tempo não circula por dentro de mim; que dentro de mim é a eternidade.

Estaria eu louco! Sofrendo de alguma obsessão! Verdade é que este mundo me embriaga; aqui tudo se dissipa; tudo flutua na ausência da gravidade que ficou lá fora.

Lembro-me de Sísifo subindo a montanha, empurrando a grande pedra que, a cada passo, ameaça o retorno compulsório. E aquele homem, aquele que quer tomar o ônibus e o ônibus não vem, o metrô está em greve, as lotações não alcançam seu bolso! Ele precisa chegar ao trabalho e se lança a pé sabe Deus a quantos quilômetros! Também ele não é Sísifo! Sísifo talvez empurre um peso inútil; o problema é apenas entre Sísifo e sua pedra; já com nosso homem, o problema é de tantas bocas por alimentar e ele empurrando preocupações de ser dispensado por atraso; é o pelicano de Baudelaire, as asas encharcadas o impedem de voar.

Tenho idéia fixa. sabe Deus quantos quilchegar ao local de trabalho e se lança a pqual Sdo ou estimulado na correria. __________________________Que pena! Como eu gostaria de encontrar tudo arrumadinho aqui dentro: saber distinguir aqui, a alma, ali um cômodo com o nome de cada um de seus atributos; lá distanciada a Consciência, a Mãe de tudo, a Mãe de mim, como eu gostaria! Mas que nada, aqui tudo é um algo fugidio: infinitas partículas se cruzam e recruzam num bailado de infinitos pés, nada se vê; nada se toca, tudo é intuição tudo é por ser. Ou já é o que é? Estou perdido nesta contemplação de nada que se densifica quando mais eu desço. Não desço por que queira, fique bem claro: sou empurrado por esses caminhos de solidão. Meu Deus! Estar só já é uma característica de meu tempo; mas aqui se está só e sem nada; o nada é tudo o que se pode pleitear nessas distâncias. Distância de quê? Não existe referencial do lado de dentro; os postes da rua desapareceram. Ah! Não há rua! Apenas o fio de Ariadne, o fio da intuição me conduz a um ponto nos limites da matéria; apenas se insinuam em mim certos lampejos que eu não sei como utilizar e me aquieto. Como se estivesse num balão gigantesco em que se tornasse minha consciência. Quanto mais deixo de pensar, mais me afogo e quanto mais me afogo, mais me sinto no outro, sem sair de mim mesmo.

Estaria eu louco! Um homem tem direito de ficar louco!

Minhas recomendações aos que encontraram minha sanidade.

Idéia fixa - complementação (Em 09/02/2007)

Bérgson é o filósofo por excelência. Sem deixar de ser lógico, coerente, ele adota a intuição como método de pensamento. Em um de seus lampejos, ele afirma que “o universo é um ser vivo e, como tal, é a manifestação de uma razão geradora”.

Que o universo seja um ser vivo, tudo bem porque tudo se movimenta; tudo se altera; agora, dizer que o universo é manifestação de uma razão geradora, aí Bérgson, por seu método intuitivo, alcança Deus. Parece que a intuição o arrasta a esses páramos.

Muitos são os cientistas que procuram Deus em sua ciência; não percebem que os instrumentos de que se utilizam foram feitos apenas com razão e inteligência. O universo inteiro

foi feito apenas com razão e inteligência. Aquele astronauta disse alto e bom tom que tinha ido ao espaço e não tinha encontrado Deus; não sabia que Deus não pode estar onde estão apenas dois de seus atributos.

Bérgson, sem sair de si mesmo, se refere a uma “razão geradora”. Esse sentiu Deus em si mesmo.

Aprendamos a incluir em nossos pensamentos essa “razão geradora”, para que ela forme uma espécie de ressonância dentro de nós. Será Deus atuando em nós.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Natureza ( Em 02/02/2007)

Gosto desses lances de inteligência; quando os homens se utilizam da inteligência em defesa de uma causa, por mais simples que seja; gosto da piada inteligente, da resposta inteligente, da tradução inteligente.

Inteligir é interligar, relacionar, interpretar. Um ato é inteligente quando estabelece relações entre dois ou mais fatos.

Pois é; o cervo estava preso no gelo quebradiço; impossível levar socorro ao impedido. O que fizeram os homens? Simples: aproximaram o helicóptero; a força do vento fez o bichinho se desalojar do gelo; de tanto patinar por andar, deitou e ali morreria congelado; mais num vôo rasante, a força do vento fez o animal deslizar até terra firme.

Por aqui se percebe a importância do casamento da memória com a inteligência; no mínimo a memória fez os homens se lembrarem da força do vento; o resto foi com a inteligência; e desse ajuntamento resultou que se salvasse uma vida.

Enquanto alguns se esforçam por uma, por que tantos por destruí-la em massa? Haverá, nos quatro cantos do mundo, região em que não se esteja agora atentando contra ela? Esse afã de atentar contra a vida faz parte de um diabólico jogo de opostos: o resultado serão outras tsunamis atômicas, climáticas ou de terremotos que o peso das ações contra a vida é muito mais daninho do que o salvamento de um cervo.

E se dirá que Deus perdeu a paciência, quando as coisas despencarem; não se pensará que foi por de causa e efeito; Deus apenas observa; não pode interferir na mente; por isso, dotou o ser humano de atributos que dessem destino à própria vida.

O escorpião queria fazer a travessia por águas turbulentas; pediu carona à tartaruga.

- não. Você me picaria no percurso.

- como eu faria isso, se nós dois morreríamos!

- ta bem. Sobe.

- no auge do percurso, a ferroada fatal.

A tartaruga ainda teve tempo de perguntar:

- por que fizeste isso? Não sabias que morreríamos?

- é de minha natureza; eu não posso mudar minha natureza.

Natureza - II ( Em 02/02/2007)

Os homens demonstram que não podem fugir de sua natureza predadora; pedem carona à terra para outro plano e, em meio à travessia, abrem fendas na terra por onde escapam lavas que criam instabilidades com força de desviar o caudaloso rio da vida. Uma agravante: os homens têm consciência de seus erros e só se corrige pela prática de ações como aquela de salvar o cervo. Atitudes assim são verdadeiras sementes plantadas na terra e que a natureza não pode alcançar.

Dizem que o homem está despindo a terra e de seus cabelos sairão chamas. Não entro nessa de apocalipse; serão apenas efeitos de tantas causas da inconsciência. Prefiro observar o fenômeno em termos de inconsciente coletivo: o peso de tanta energia a que se aderem nossas predações como nicotinas, visgo; algo que retém a energia de circular por outros planos e nos trazer outros ventos; não. Nossa energia vai se sustentando como der; quando não der mais, haverá uma asfixia geral por excesso de peso de energia retida, carregada como nuvem sobre a terra. A própria terra será comprimida de fora para dentro e o líquido interno dela fluirá em borbotões de alcançar todos esses lixos de satélites acumulados no espaço, em torno de 40 mil toneladas, flutuando sobre nossas cabeças.

Já estava pronto este artigo quando sai um relatório marcando data em que a terra começará a se desabafar de tanta agressão por que tem passado. Começará chorando, como se pedisse desculpas pelo que terá de acontecer. Lágrimas encherão os mares que subirão até cinco metros em suas pálpebras. O peso de tantas causas resultará em efeitos devastadores. Isso não é apocalipse; a ciência já abriu a boca no mundo; só o Bush não ouve.

Só pela interiorização poderemos nos isentar dessa gritaria que se formará em torno do assunto. O ideal é nos prevenirmos, tentando ingresso entre os “escolhidos” de que fala o texto bíblico.

Natureza - Complementação (Em 02/02/2007)

Um advogado e uma médica num barco; o advogado pergunta ao barqueiro.

- você entende de leis?

- não.

Respondeu o barqueiro.

- Que pena, você perdeu metade da vida.

A médica entra na conversa e pergunta ao barqueiro se ele cuidar de um enfartado.

- não.

- que pena, disse ela, você perdeu metade da vida.

Nisso veio uma onda forte e partiu o barco ao meio.

- Vocês sabem nadar?

- Não.

- Então vocês perderam toda a vida.

É claro que se trata de uma ficção, mas serve para advertir que, entre as classes cultas,

também existem escorpiões que picam os que os conduzem para o outro lado da verdade; predadores de desnudar a natureza, pondo às escâncaras suas intimidades indefesas.

A natureza responderá pela água ou pela falta dela...

A Cena (Em 26/01/2007)

A cena não tinha som e só pela visão despertou a sensibilidade. Era o enterro de um dos soterrados do metrô.

Cena parada: mãe quieta, filha quieta, os dois filhos quietos, envoltos todos no silêncio do derradeiro instante, a despedida.

A mãe dirigiu um monossílabo à filha que acedeu com um gesto de cabeça; a mãe se dirigiu ao filho mais velho, que repetiu o gesto da irmã; a mãe se dirigiu ao filho mais novo; sinal positivo. Então a mãe deu sinal para os coveiros e o caixão baixou

Apesar do momento de dor, a mãe se concentrou nos filhos; não se esqueceu de exaltar a personalidade dos filhos; a mãe pôs em relevo a dignidade de cada um, que decidisse sobre o enterro do próprio pai.

Aquela cena de segundos foi a grande oração de despedida; parecia que cada um repetia o “faça-se”, com um despreendimento que decerto foi bênção da Senhora do Mundo.

Meu Deus, quanto existe de grandeza no coração humano! Aquela família simples fez oposição à morte do chefe e se impôs a ela por um halo de pureza que se elevou da cena e atingiu a sensibilidade de quem a viu.

A águia cria os filhotes nos penhascos; quando estão grandinhos, ela os arremessa no abismo; que se lancem ao vôo.

Ali estava uma águia; os filhos por se desenvolver e, mesmo assim, ela os consultou antes de lançá-los no abismo da orfandade; ela mesma se conteve na antevisão da dor com que vai carpir o tempo nas brenhas da solidão.

Deus os leve a salvo.

Um fato não menos estranho: sinto que coloco a morte em segundo plano para me ater a seu oposto: a valorização da pessoa humana, talvez por intuir sobre o elemento de conciliação e foi o que se viu: nenhum esgarçar-se, nenhum carpir-se naquela cena simples. O relance do momento nos deixou a impressão, se mal comparado, com esses atores do teatro moderno, em que o gesto supera a palavra e a razão se perde no ajustamento da ação. Ali estavam quatro personagens despidas de choro; apenas contidas em si mesmas; apenas uma postura ereta, que o despreendimento também se serve de mestre-de-cerimônias para conduzir seus integrantes à condição de mito.

Mas o teatro moderno não gera mito; a psicologia do teatro moderno é de superfície; não desce aos recônditos da alma para captar, nessas regiões abissais, a força do silêncio de se exprimir na delicadeza da cena que aquela família deixou escapar de suas entranhas machucadas; ela veio com a força de uma mensagem que só pelo coração se faz leitura.

Ali estavam quatro personagens submersas no vazio da ausência e no vazio de si mesmas, sem saber de seu destino, levados pela correnteza do tempo.

Com certeza alcançarão a paz porque, no momento extremo, souberam manter-se distanciados dos esgares de praxe à ocasião. Não. Ali era apenas um só coração que se dirigia a nós, como lição de superar momentos de suprema angústia.

Deus os leve a salvo!

A Cena - Complementação ( Em 26/01/2007)

O homem plantava árvores no quintal; jamais o vi molhar qualquer delas. Certa vez lhe perguntei por que não regava o que plantava com tanto mimo. E disse ele:

- se eu molhar, as raízes se voltam para cima; se eu não molhar, as raízes se aprofundam na terra

á busca de água e se tornarão resistentes às intempéries.

A mulher tem desse tipo de saber: sabe dosar a proteção, ao tempo em que se dispõe à e conduzi-los a que aprofundem as raízes em si mesmos, com que superar as intempéries. Mesmo ante o obstáculo máximo, ela não perde a oportunidade de desenvolver nos filhos as asas com que se lançarem ao vôo pelas escarpas do mundo.

As Leis (Em 19/01/2007)

“As leis, que governam esta grande dimensão energética sediada no eu, são as leis que governam tudo o que existe no universo. São leis que provêm de Deus e que estão simbolizadas, na Apologia, pelas leis do Estado. Platão refere-se a elas como Idéias. Encontram-se todas no interior do indivíduo, bastando apenas procurar por elas, sendo que a própria procura deve obedecer a estas leis. As idéias são as leis de Deus, as leis da Mente e as leis do Ser”.

Jacob Needleman – O coração da Filosofia 104

As Leis ( Em 19/01/2007)

O texto é fundamentado em Platão e, já no início, introduz-nos no eu, confirmando onde está a origem das leis: na interioridade humana; as leis que regem o universo provêm de Deus e estão no ser humano.

É o que vimos discutindo nestas páginas: a interioridade como fundamento de tudo o que concerne a nossa vida; no entanto, não é apenas aceitar nosso interior como depositário de valores que procedem da divindade; é preciso experimentar essa afirmação, descer ao centro de si mesmo; perceber-se-á que o coração humano é mais que um órgão; é um centro de recepção dos fluxos sagrados quanto mais estiver limpo de envolvimento com as adversidades que nos cercam.

O autor faz referência à Apologia, ou a defesa de Sócrates; na iminência de uma sentença de morte, Sócrates de nada se defende porque, segundo ele, "a morte é a libertação definitiva". Dotado de fenomenal dialética, omite-se na defesa de si mesmo e, no “Criton e o Dever”, quando Criton insiste que saia da prisão, pelas facilidades de que dispõe, ele pergunta ao discípulo como poderia apresentar-se diante da divindade, se não soube cumprir as leis dos homens.

O discípulo insiste com o mestre e este lhe propõe o diálogo; se o discípulo o convencer, mestre aceitará a saída clandestina, cumprirá o trato; caso contrário, o discípulo se comprometerá a não mais propor-lhe a fuga da prisão. O diálogo é uma das mais belas páginas de Platão: Sócrates em defesa das leis; o discípulo em defesa de Sócrates.

As leis do Estado são portanto, projeções das leis que cada um traz dentro de si mesmo, bastando apenas "procurar por elas".

Por fim, o texto afirma, segundo Platão, que “as idéias são as leis de Deus”. Se as idéias são leis de Deus, recai sobre nós uma responsabilidade extrema de manipularmos bem as idéias que expressem com justeza as leis de Deus.

Ressalte-se a importância que Platão atribui ao ser humano: depositário das leis de Deus;

por extensão, de todas as potencialidades emanadas de Deus e empenhadas no desenvolvimento dos homens. Só precisamos tomar consciência desses valores e nos dispormos a desenvolvê-los de dentro para fora, em proveito de nossos semelhantes.

As leis - complementação (Em 19/01/2007)

Fim de semana violento no presídio: bombas, mortos e feridos, debandada em massa. Súbito o figurão divisou o preso acuado no encolhido da cela.

- vai para tua casa; volta na segunda.

Foi. A família. Hora de voltar; no presídio:

- você é tido como foragido; não podemos recebê-lo.

Tentativas, imprensa, promotor, o caos.

A resistência fanática: - não o podemos receber.

Ah! Sócrates, e tu não quiseste fugir, que as leis humanas são cópias das leis divinas...

Conto de natal (Em 12/01/2007)

Um promotor público entrou em um presídio feminino; espaço para 32, lá estavam 110; entre elas uma grávida naquele aperto.

O Promotor não teve dúvida: redigiu uma petição em nome do feto: este se declarava inocente dos acontecimentos a seu redor e reivindicava um lugar e tratamento mais digno para seu desenvolvimento e para sua pessoa.

Acredite: ganhou a causa. Pena que a justiça entre nós anda nas costas de tartaruga e a mãe só foi beneficiada no final da gravidez.

O parecer na sentença dizia mais ou menos que, embora um feto não tenha personalidade jurídica, já tem condição humana e portanto com todos os direitos que a lei prevê aos humanos.

Aqui termina o conto.

Se não foi assim, foi essa a intenção e sobre ela paira um alo de grandeza, de nobreza que ultrapassa a condição dos impetrantes para ganhar foro alto no catálogo de grandes feitos entre os homens.

A justiça nos limites; a justiça é um dos atributos da alma e a alma, do fundo de seu repouso, teve força de atuar sobre a mente do Promotor e dos envolvidos nessa causa nobre.

Deus os abençoe.

Essa criança que já nasceu com ares de ser, por abrir caminho para tantas outras causas que surgirão da semelhança e todas terão veredicto favorável, em virtude dessa abertura; e então a ação do Promotor não será um fato isolado.

O feito desse Promotor servirá para destruir um norma consuetudinária, enraizada nos costumes; é um avanço positivo sem dúvida; uma dinamite deslocando a pedreira com que sedimentar mais ainda a consciência do valor humano.

“Minha mãe disse que Deus é como o açúcar que eu ponho na xícara de café com leite. Ninguém vê o açúcar, mas ele está lá; se tirar o açúcar, o café fica sem gosto”

Deus está nas leis. Quando se tira Deus das leis fica o gosto de mensalão acobertado; quando se tira Deus das leis, todos os culpados se escondem sob a capa de uma conivência vergonhosa.

Deus está nas leis por isso, de quando em quando aparecem atos assim, de enobrecer o ofício e de se vestir com elasticidade que alcance o coração humano.

O velho Sócrates já dizia que “as leis humanas são cópia das leis divinas”. De quando em quando aparece um sacerdote para fazer das leis incenso com que prestar tributo à divindade, no altar da Consciência, pela causa dos inocentes.

Conto de natal - complementação (Em 12/01/2007)

“As leis, que governam esta grande dimensão energética sediada no eu, são as leis que governam tudo o que existe no universo. São leis que provêm de Deus e que estão simbolizadas, na Apologia, pelas leis do Estado. Platão refere-se a elas como Idéias. Encontram-se todas no interior do indivíduo, bastando apenas procurar por elas, sendo que a própria procura deve obedecer a estas leis. As idéias são as leis de Deus, as leis da Mente e as leis do Ser”.

Jacob Needleman – O Coração da Filosofia 104

Essa idéia de encontrar os valores maiores dentro de nós, como se percebe pelo texto, tem o endosso de Platão. Que se quer mais?

Dentro do homem estão os atributos de desenvolvimento da humanidade.

O autor não se refere à reflexibilidade das leis; aquele que se apóia na lei para fazer a justiça também é justiçado. É o que espero aconteça com esse Promotor.

Um Gesto (Em 05/01/2007)

Aquela senhora recebeu a carta; na carta se indicavam porcentagens para base de certa distribuição a instituições de caridade. Não só: ela deveria, com o dinheiro a receber, comprar um carro, rifá-lo entre os da cidade. Assim, todos se arregimentariam em torno de uma causa nobre e assim se fez.

O acontecimento correu de boca em boca, fez-se notícia grande e criou coceira da curiosidade do povo. Quem seria? Um de além mundo? De onde? A descrença nos homens da terra não creditaria intenção tal a alguém de carne e osso.

Vale ressaltar dois aspectos nesse gesto:

a – o cuidado com que o doador se vestiu de anonimato,

b – a inteligência em orientar como se devia proceder para que o evento envolvesse o povo.

A mediadora foi previdente, valendo-se de todos os meios de comunicação para divulgar o acontecimento, ao tempo em que dava satisfação ao doador sobre os procedimentos tomados, visando ao cumprimento das intenções dele; o ciclo se fechou com o sorteio de cujo resultado não se teve notícia.

Uma quantia razoável foi suficiente para convergir, nos tempos de natal, toda a cidade e vizinhanças em torno de um evento comandado por uma cabeça sem rosto. Bonito gesto!

Isso aconteceu exatamente no tempo em que os Senhores Senadores e Deputados se vestiram de silêncio e, em conjunto, decidiram sobre aumento do próprio salário lá pelos 91%. Haja! Muita cara de pau! Só se arrefeceram quando o bispo gritou, do alto do púlpito, apavorado com a imoralidade da coisa.

Se de um lado tantos se degradam e nos arrastam para o custeio de suas investidas, do outro, um apenas comoveu a cidade e nos comoveu cá distantes.

Também aqui os opostos se evidenciam entre o repúdio nacional e a comoção citadina; lá para a farra de muitos; aqui para a causa dos pobres; os que podem votam em proveito próprio; os que não podem se juntam à causa alheia e, entre muitos e um só, fez-se a diferença por fluidos de ação e repulsão.

Nessa causa, o congresso é o movimento de fora: inconseqüente, avassalador e sem retorno, que eles estavam firmes na defesa de seus interesses, mesmo quando instância superior tinha julgado inconstitucional a causa esdrúxula.

Aquela doação seria o movimento de dentro, a interiorização em que as correntes internas atuaram sob uma intenção, convergindo para um ponto comum de doação.

É possível ver, nesses acontecimentos, ritos selvagens pisando em relíquias sagradas que, graças ao bom Deus, alguns ainda mantêm vivificadas em seus corações.

Um Gesto - Complementação (Em 05/01/2007)

Aqueles dois homens isolados na ala do hospital; um tinha problema de pulmão, precisava ficar próximo à janela; o outro sempre deitado de costas; os dois conversavam sobre empregos idos, família, política. Quando os assuntos se esgotavam, o da janela falava sobre os encantos do jardim: muitas flores, lá adiante crianças brincando; uma espécie de parque com muito verde; o lago parecia um campo de pouso para aves; um casal de namorados; o par de garças que se acarinhava no alto da árvore. Tudo descrito com riqueza de detalhas que alimentavam no outro uma visão de tudo e vinham à tona reminiscências antigas e a noite abria em sonhos.

Certo dia, o da janela não estava mais lá... O outro pediu transferência de cama;

Dali, ele via apenas uma nesga de céu e a parede de reboques descolando; perguntou pelo

jardim; onde estava o jardim?

- que jardim?

- o que meu colega descrevia.

- como descrevia, se ele era cego?

Um tinha e doou o que tinha; fez a felicidade do povo; o outro não tinha e doou até o que não tinha e fez a felicidade do outro.

Assim agem os anjos: não precisam de rosto para nos assistir; há homens que são anjos e, entre eles, o que faz a diferença é o coração.

Um gesto - complementação (Em 05/01/02007)

O ovo ou a galinha - 3/3

Quaisquer que sejam, os assuntos têm relações com o ser humano; cabe a nós encontramos essas relações.

- Quem veio primeiro o ovo ou a galinha?

- Claro que foi a galinha! Primeiro a vida, depois as inerências da vida; o ovo vem da vida para dar

continuidade à vida.

- Quem veio primeiro, a alma ou o espírito?

- Claro que foi a alma! A alma é consciência; a consciência existiu desde o começo de tudo; a

Consciência é que dá origem a tudo. Da consciência emanou o Filho; a consciência é o Pai.

- Portanto o que existia desde todo sempre era e é a Consciência.

- Sim. O espírito se desenvolve quanto mais de consciência for dotado sobre si mesmo.

- É da consciência sobre si mesmo que o espírito precisa...

- Da consciência emanou a vida; da vida emanou o ovo

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

A Fé ( Em 27/12/2006)

A fé é resultado final de uma seqüência que começa por um saber fermentado dentro de nós; da fermentação do saber, nasce a intuição; a intuição impulsiona a fé na direção de um objetivo.

Os romeiros saem de seus recantos e se dirigem a confins distantes visando a prestar louvor a seu santo de afinidade. Desde tenra idade, foi-lhes inculcado um saber; esse saber vem sendo vivenciado ao longo do tempo e agora se manifesta pela intuição que põe a fé em andamento de romaria.

O automobilista primeiro tem aulas de corrida, aprende; percorre uma longa convivência com a velocidade; automatiza os gestos; tal é a convivência que o saber amadurece, sazona; então ele se percebe cometendo as maiores proezas ao volante; é a intuição; a fé se manifesta quando ele estabelece meta: alcançar o pódio; ser o primeiro.

A teoria amadureceu dentro dele; suas manobras são de pura intuição na urgência do segundo.

Não confundir fé com coragem; a coragem se expressa pelo arrojo; a fé direciona o arrojo.

Saint Exupéry nos conta que seu avião caiu sobre a neve nos Alpes; ele andou três dias sem rumo; se sentasse para descansar, ficaria ali congelado; nesse tempo, todo tempo, ele conversava com o coração com palavras incisivas de coragem e fé de que encontrariam uma saída. Saiu.

Qual foi o processo? Sabedor do potencial do coração, a intuição dirigiu o procedimento de incentivo; a fé se situou na meta: sair dali, apoiado na resistência do coração. A fé é um impulso da intuição que nos conduz a um objetivo.

As asas da internet são um eficiente meio de oferecer conscientização sobre as mais variadas tendências. Elas parecem suprir, com pequenas histórias, aquilo que os pedagogos não conseguiram alcançar com sua lógica.

Lemos na internet sobre aquele turista; ele vê a cela vazia; o monge em meditação.

- onde estão teus móveis?

Pergunta.

- onde estão os teus?

Pergunta o monge

- eu estou aqui apenas de passagem!

- eu também.

O turista sabe apenas que em uma cela deve haver móveis; o monge se interiorizou e se pôs à prática do conhecimento de si mesmo; intuiu sobre a inutilidade dos móveis; a fé o põe a meditar sobre um ideal mais alto.

Os primeiros cristãos se revestiam de coragem pelo conhecimento que tinham de Cristo; intuíam que a causa de cada um estava no seguir o Cristo; uma vida além desta era a meta; a fé os empurrava sobre os obstáculos

Decorre então uma necessidade de conhecimento sobre nós mesmos; um conhecimento que chegue a sazonar; daí a intuição empurre a fé rumo à felicidade.


O UM (Em 17/12/2006)

Muitos dizem que só existe o um; é verdade; só existe o um, mas nós vivemos no mundo do dois porque temos espírito e alma; espírito e alma não são o UM. No mundo em que vivemos, tudo é dois; e ainda mais: o dois é um par de opostos.

A energia é de dois pólos: positivo e negativo; esses pólos conciliados dão origem à luz. A luz é um dos componentes do um; nós não estamos no um.

A energia do ser humano também é de dois pólos: movimento e repouso; ambos se conciliam na luz; é só descer com a mente a coração; no coração está o repouso.

Há metáforas formadas por palavras de algum conteúdo oposto; se forem solidarizadas, dão origem a um terceiro elemento diferente dos dois.

Se digo que Maria é uma flor, temos: Maria, pessoa visível conhecida concreta; flor é desconhecida, uma flor qualquer; da solidarização das duas palavras, surge a idéia de: perfume, beleza, viço, coloração.

Essas considerações me ocorrem neste tempo de Natal que se caracteriza pela idéia de dois que se conciliam:

Ali está a criança, a Consciência no repouso de si mesma.

Vêm os Reis Magos, a mente, o movimento.

A estrela pára sobre eles.

Mente e Consciência se encontram na manjedoura e a luz se faz. O UM ali é de três naturezas: mente, consciência e luz.

O UM - Complementação (Em 17/12/2006)

Também nós somos dotados de três componentes, latentes ainda, mas três: espírito, alma e a luz que se forma quando os dois se encontram conciliados.

Radicalizar que só existe UM é nos excluir, tirar de nós o incentivo do esforço pessoal em direção a planos mais altos. O UM só adquire sentido em função de nós; e nós não somos o UM; nós temos potencialidades de nos direcionarmos para a unidade, mas essa unidade é trina.

Na manjedoura, os contrários se conciliaram e a luz se fez. Uma luz tão forte que perdura sempre como norte de um destino que temos de alcançar com nosso par de opostos: espírito e alma. Temos de encetar a viagem, orientados pela estrela de nossa intenção rumo à manjedoura situada no coração; ainda estão ali os animais, símbolos de nossos traumas.

É esperar a Luz; a estrela os afugentará todos.

Em nossa viagem outros Herodes aparecerão: os Herodes do consumismo, do oportunismo, até alcançarmos o lugar onde a estrela se detenha.

Ali está a Criança que dormita, apesar de tanto barulho.

A Mãe é a Consciência absoluta; a criança está imbuída também de inteligência; será intermediária no aprendizado que teremos de fazer no sentido de corrigirmos a posição contrária que nosso espírito assumiu: voltado para fora, ele deve corrigir a posição de retornar ao lugar de onde saiu desde o Éden. Só então seremos Um na luz que se fizer desses opostos.

Existe até um aforismo sobre o assunto: “quem tem dois, tem um; quem tem um, não tem nenhum”. Perfeito. Podemos conciliar um par de opostos em um; mas quem tem um só, não tem o que conciliar. O espírito humano é apenas um: o lado de fora; com o lado de fora apenas, o espírito humano nada pode fazer; se ele optar pelos dois, então os dois poderão ser o um pela conciliação.

Se quisermos presentear a Criança nascente, desçamos com a mente ao coração; então seremos magos e, distanciados dos Herodes de tantas faces, seguiremos por outro caminho: o caminho de nossa interioridade.

O UM - Complementação (Em 17/12/2006)

Dois amigos em viagem; atravessavam um rio turbulento; um deles falseou o pé e teria sido tragado pelas águas, não fosse a agilidade do amigo.

Então mandou escrever numa grande pedra na montanha ao lado da estrada: “Viandante, neste lugar, um amigo salvou heroicamente o amigo de ser afogado pela turbulência dessas águas. Completaram suas missões e, de volta, às margens do mesmo rio, houve uma desavença entre eles e o salvador espancou impiedosamente o amigo; este, com o próprio bastão, escreveu na areia: viandante, neste lugar o amigo esbofeteou injustamente o amigo que havia salvado.

Um transeunte indagou:

- O benefício que ele lhe fez você mandou escrever na pedra; o mal que ele se fez você escreve

na areia!

- o benefício que eu recebi permanecerá em meu coração; a injúria escrevo na areia, com votos de

que o vento o mais depressa apague.

O um está apoiado nos dois; o um é aquele sopro que ficou em você do confronto dos amigos; o um é o que pairou acima do benefício e da ofensa; o um é o que ficou no coração do ofendido.

No corpo, ele tinha sofrido revezes; pelo coração, ele equilibrou os opostos de benefício e ofensa; sobrou essa aura de querer que o vento apague a ofensa

Fluxos (Em 15/12/2006)

Acredito que não seja idéia minha, quantos teriam pensado assim! O fato é que me ocorreu certa vez a idéia de haver, no inconsciente coletivo, um depósito onde estão armazenadas as grandes idéias que sustentam a História. A esses registros só o espírito tem acesso.

Afirmava ainda o fato de o espírito se esquecer de tudo a que veio quando entra na matéria e que só por ressonância de seus hábitos antigos, ele vai despertando em si mesmo suas aptidões com que atua no mundo.

Assim é.

Essas idéias me voltam quando sei daquele homem. Sim, um homem que, apesar de seus 86 anos, está cursando o segundo ano de um curso oficial correspondente ao nosso Primário. Nesses dois anos, não faltou a uma aula, faz longo percurso a pé, já aprendeu a ler e paralelamente estuda inglês.

A imprensa lhe foi ao encalço.

- eu pretendo fazer a faculdade e ajudar minha família.

Oitenta e seis anos! Tanta edificação assim não dá IBOPE...

De onde vem que esse homem despertou em si essas faculdades?

Seria ele depositário de um ou mais desses pilares da História? Teria a idade amolecido aqueles diques do esquecimento a que veio e que não está podendo conter jatos de sabedoria por se exprimir?

Meu Deus!

Dizem que, durante um ano e meio ele ia constantemente à escola por uma vaga e a conseguiu pelo cansaço da direção.

Essa persistência já nos edifica, mas ele quer mais quer ajudar a família!

Do ponto de vista da idade, é possível entender esses predicados assim tão vivos ainda, ou é preferível ver nele a luz de um saber que pede espaço; quer começar pelo berço, só que no outro extremo, mostrar que, para Deus, não existe o tempo?

Na reportagem, ele canta com as crianças em cujo meio está um neto seu. Nessa idade, quantos já não têm domínio de seus músculos, quantos?

Nele se impõe uma intenção de ser; como a flor que nasce no alto da montanha: quer apenas exprimir-se como um coração aberto; mas é tanta efusão dessa abertura que a notícia se espalha pelo mundo e chega até nós dos confins com a mesma singeleza da flor.

Espíritos assim são em si mesmos grandes luzeiros que vêm a este mundo e não fazem milagres porque eles são o milagre; discurso? Esse faz: “quero ajudar minha família”. Quer expansão de si mesmo, partilhar; e a vontade de assistir os seus nos assiste com seus exemplos; a intenção de servir lhe escapa o controle em borbotões sobre o mundo e sobre nós, como exemplo.

O espírito desse homem esperou que a idade tornasse vulneráveis as paredes do esquecimento; agora pede passagem; queira Deus que irrompa com o firme propósito de ser luzeiro sobre este mundo de tantos apagões.


Fluxos - Complementação (Em 15/12/2006)

Os animais entraram em uma caverna, onde acharam água fresca e comida abundante; ficaram e geraram; certa vez o mais velho desejou sair dali, porém os mais novos tinham nascido no escuro, não se acostumariam à luz.

Também o homem vive em uma caverna, mas ele pode despertar e buscar saída para a luz; alguns o fazem com tanta força que sua voz ecoa pelos quatro cantos do mundo e outros percebem o sentido da luz.

Eis o homem!

Ainda o Ensino (08/12/2006)

Falávamos sobre educação; o quanto a maioria das escolas se afastou da educação, assustada pela interferência impositiva dos pais.

O Ensino se tornou de fachada, de faz-de-conta por interferência, insistência e intransigência de muitos pais. Eles assumem influência de pedagogos e são capazes de submeter o esforço do professor a seus caprichos, via direção.

Não se nega a importância dos pais na escola, como meio de partilhar o andamento administrativo, nada melhor. Não foi este aspecto que discutimos. Nosso assunto se limitou àquela área em que o professor desenvolve suas atividades e apresenta produção; essa sofre obliteração por alguns; e esses alguns contaminam o processo porque o professor, ou se amolda a ela, ou precisa desocupar aquele espaço. Triste realidade...

É transição; mas, nessa transição, o aluno fica transitando pela escola, com a absoluta certeza de que não precisará assumir as conseqüências de sua indiferença. Os pais garantem, tirando ao filho, à filha o imprescindível dever de manipular as próprias virtualidades; cerceando o próprio filho no processo de se desenvolver.

Os alunos do Colégio São Bento, do Rio de Janeiro, foram os primeiros na prova do ENEM de 2005. A imprensa quis saber qual era a mágica; deparou-se com uma informação simples:

- nosso método de ensino é de 114 anos atrás; o aluno que não estudar, perde a vaga.

Têm esses doutos mestres a consciência de que a mente humana não muda; sabem que Educação é isso: cobrar do aluno que desenvolva as próprias potencialidades. Isso ninguém pode fazer por ele.

Quanto mais amparado, menos se desenvolve e a escola passa a criar facilidades para o aluno que deveriam ser conquista sua.

É o exemplo daquela borboleta: lutava por sair do casulo; o menino quis ajudá-la e percebeu depois que algumas partes ficaram atrofiadas; não tinham sido submetidas ao esforço de sair; a borboleta não conseguiu alçar vôo.

Assim é essa juventude protegida debaixo do casaco dos pais: não se desenvolve porque os próprios pais as ajudam no sair da casca; a mente atrofia.

Depois lamentam iniciativas dos filhos que se distanciam de suas previsões...

Educação é a formação integral da pessoa humana. Atualmente um outro mal veio juntar-se ao primeiro: é a utilização maciça da memória.

A memória transita na linha horizontal passado – futuro; acontece que a formação integral do ser humano se realiza na verticalidade: mente – coração; a memória passa distanciada desses dois pólos; este é o motivo por que o aluno se torna insensível, desinteressado, sem iniciativa e tantas conseqüências assim; ele não se sente integrado no processo da própria formação; torna-se um estranho ao próprio estudo; suas potencialidades não são desenvolvidas porque, pela memória, saímos de nós mesmos e nos refugiamos no fato histórico que nada tem a ver com nossa realidade atual. Pobre ensino. Pobre aluno...


Perder a Alma (Em 01/12/2006)

Diversas vezes tenho comentado sobre o coração como lugar de encontro do espírito com a alma; vem um homem simples, lá do interior do Brasil e, por um ideal de fé, e abre uma nova perspectiva no mesmo assunto.

Ele se negou a submeter-se a um transplante de coração alegando “medo de perder a alma”. Nada mais simples; nada mais profundo: preferiu os percalços do sufoco sem respiração até a morte, a abdicar de seus princípios religiosos.

De onde vem esse tipo de pessoa? Seriam ets, alienígenas que nos visitam para nos incentivar nessa vida de tanta sabedoria sem rumo?

Acredito que nunca se viveu tanto excesso de cultura; fala-se sobre qualquer assunto e talvez nunca tenha havido tanta falta de uma liderança em que o mundo possa confiar. É uma apatia geral causada pelo excesso de memória; esse homem vem desafiar os sábios, se ainda houver.

Não sabe que a consciência ocupa todos os lugares vazios, onde quer que os haja; não sabe da alma como é consciência que ocupa o vazio criado por nossa intenção; a intenção de abdicar, de fazer o silêncio interior, de não deixar que o coração se feche nas provocações, não sabe, mas sabe captar a sintonia do cosmos e traduzir as linguagens pela linguagem de sua abdicação.

Se o fundamento é a intenção, o coração novo não alteraria a intenção; mas sua preferência pelo coração velho, fê-lo ampliar o espaço vazio de seu coração doente pela intenção de submeter-se a uma vida de tantas incertezas.

Talvez pela falta de modelo, esse homem assoma em nossa mente com a força de um ator da tragédia grega, entre luz e sombra, com vestimenta de um estranho peso e de mensagem que foge às limitações de nossa cultura; vem do fundo do palco e se dilui ante nossa incompreensão.

A alma que ele temeu perder dilatou-se pelo refreamento das negações que tentaram obstruir seu poder de sintonia com planos muito acima da compreensão humana.

Aquele homem ergueu uma bandeira e, em vez de nos pedir socorro, trouxe-nos o socorro

com essa aula magna de abdicação, de renúncia; pode descansar em paz que o coração, por doente que esteja, está bem aberto às manifestações da alma.

Perder a Alma (Em 01/12/2006)

Na arte zen, um jovem samurai se dispôs a provocar o mestre; tanto fez e nada conseguiu; o mestre permanecia impassível; ao final de um dia, o provocador se retirou cansado e humilhado. Vieram os discípulos carregados de incertezas; como era possível suportar tanto! E disse o mestre:

- Se alguém chega até vocês com presentes, e vocês não os aceitam, a quem pertence o

presente?

- A quem tentou entregá-lo, respondeu um dos discípulos.

- O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem o carregava consigo.

Pois é. Aquele homem se colocou no lugar do monge zen: veio a provocação e ele nos mostrou como reagir, abdicando da própria vida.

Parodiando Sócrates, quando a morte se aproximar desse homem, com certeza cobrirá o rosto com um véu, exercerá bem depressa o seu papel e bem depressa se retirará, inibida diante de tanta grandeza.

Deixemo-lo seguir que já nos deu aula de quietude interior, sem se abalar sob os acenos da própria morte.

Fernando Pessoa - Poema (Em 24/11/2006)

Agradeço à Professora Sílvia Saraiva o ter me mandado este poema do Cancioneiro de Fernando Pessoa:

Põe-me as mãos nos ombros...

Beija-me na fronte...

Minha vida é escombros,

A minha alma insonte.

Eu não sei por quê,

Meu desde onde venho,

Sou o ser que vê,

E vê tudo estranho.

Põe a tua mão sobre o meu cabelo...

Tudo é ilusão.

Sonhar é sabe-lo.

Fernando Pessoa (Em 24/11/2006)

Fernando Pessoa

Em princípio, percebamos os opostos em que o poeta conduz e assunto e a linguagem coloquial de uma leveza quase infantil que já se manifesta por este “beija-me na fronte...”; não é um beijo de apaixonado; é um beijo de quem deseja proteção, aconchego, ao tempo em que assume uma atitude quase cavalheiresca ante a mulher amada.

Essa condição de submisso é confirmada pela escolha que o autor faz com versos em redondilha menor, versos de cinco sílabas, bem curtos como se quisesse diminuir a distância que o separa da mulher e bem ao gosto dos poetas medievais.

Os opostos já se instalam na primeira estrofe entre uma vida vida em escombros e a alma insonte, inocente.

De um lado, a vida, esse desenfreado carrossel de acidentes que tudo transforma em “escombros”; do outro a pureza da alma que se propaga pela segunda estrofe e lhe permite enxergar além, onde os outros não alcançam, por isso “vê tudo estranho”. Então essa segunda estrofe, em vez de ser uma conseqüência da primeira, é sua causa porque aborda o que se passa na interioridade do poeta; essa mudança de ordem é percebida pela linguagem de quem tateia para alcançar algo no escuro, até que ele se manifesta, no terceiro verso como ser: “Sou o ser que vê”.

Na terceira estrofe, o poeta reitera seu pedido de contato com a amada apenas pela mão dela no tocar o cabelo dele, para novamente se enfronhar neste estado de consciência de que

apenas a ilusão é real; não a ilusão como a entendemos; mas apenas as realidades que estão além desta vida; pensar nelas é o ideal de sabedoria.

Nesta terceira estrofe o poeta confirma sua condição de estado de alma incólume do burburinho do mundo e um aspecto interessante se coloca em relevo.

O poema se compõe de três estrofes: a vida no plano da matéria, pelas palavras “ombros”,

“fronte”, “escombros”; na segunda estrofe o poeta se refere a sua procedência desconhecida, diz-se um “ser que vê”, mas “vê tudo estranho”.

Os opostos se conciliam na consciência de que tudo é ilusão; um grau de iluminação com que os contrários se conciliam.

Ainda nos é possível deduzir que essa mulher é interior: está no plano da matéria para lhe colocar as mãos sobre os ombros, acobertá-lo e está no plano da consciência para infundir-lhe os pensamentos; com ela ele transita pelas duas dimensões de seu ser.

Um poeta é grande quando seus versos lidam com as duas dimensões do ser humano, independente do assunto de que trata; sua obra resiste o tempo; traz em seu bojo sêmens de criar raízes na interioridade do leitor.