quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Fernando Pessoa (Em 24/11/2006)

Fernando Pessoa

Em princípio, percebamos os opostos em que o poeta conduz e assunto e a linguagem coloquial de uma leveza quase infantil que já se manifesta por este “beija-me na fronte...”; não é um beijo de apaixonado; é um beijo de quem deseja proteção, aconchego, ao tempo em que assume uma atitude quase cavalheiresca ante a mulher amada.

Essa condição de submisso é confirmada pela escolha que o autor faz com versos em redondilha menor, versos de cinco sílabas, bem curtos como se quisesse diminuir a distância que o separa da mulher e bem ao gosto dos poetas medievais.

Os opostos já se instalam na primeira estrofe entre uma vida vida em escombros e a alma insonte, inocente.

De um lado, a vida, esse desenfreado carrossel de acidentes que tudo transforma em “escombros”; do outro a pureza da alma que se propaga pela segunda estrofe e lhe permite enxergar além, onde os outros não alcançam, por isso “vê tudo estranho”. Então essa segunda estrofe, em vez de ser uma conseqüência da primeira, é sua causa porque aborda o que se passa na interioridade do poeta; essa mudança de ordem é percebida pela linguagem de quem tateia para alcançar algo no escuro, até que ele se manifesta, no terceiro verso como ser: “Sou o ser que vê”.

Na terceira estrofe, o poeta reitera seu pedido de contato com a amada apenas pela mão dela no tocar o cabelo dele, para novamente se enfronhar neste estado de consciência de que

apenas a ilusão é real; não a ilusão como a entendemos; mas apenas as realidades que estão além desta vida; pensar nelas é o ideal de sabedoria.

Nesta terceira estrofe o poeta confirma sua condição de estado de alma incólume do burburinho do mundo e um aspecto interessante se coloca em relevo.

O poema se compõe de três estrofes: a vida no plano da matéria, pelas palavras “ombros”,

“fronte”, “escombros”; na segunda estrofe o poeta se refere a sua procedência desconhecida, diz-se um “ser que vê”, mas “vê tudo estranho”.

Os opostos se conciliam na consciência de que tudo é ilusão; um grau de iluminação com que os contrários se conciliam.

Ainda nos é possível deduzir que essa mulher é interior: está no plano da matéria para lhe colocar as mãos sobre os ombros, acobertá-lo e está no plano da consciência para infundir-lhe os pensamentos; com ela ele transita pelas duas dimensões de seu ser.

Um poeta é grande quando seus versos lidam com as duas dimensões do ser humano, independente do assunto de que trata; sua obra resiste o tempo; traz em seu bojo sêmens de criar raízes na interioridade do leitor.

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