Aqueles dois homens isolados na ala do hospital; um tinha problema de pulmão, precisava ficar próximo à janela; o outro sempre deitado de costas; os dois conversavam sobre empregos idos, família, política. Quando os assuntos se esgotavam, o da janela falava sobre os encantos do jardim: muitas flores, lá adiante crianças brincando; uma espécie de parque com muito verde; o lago parecia um campo de pouso para aves; um casal de namorados; o par de garças que se acarinhava no alto da árvore. Tudo descrito com riqueza de detalhas que alimentavam no outro uma visão de tudo e vinham à tona reminiscências antigas e a noite abria em sonhos.
Certo dia, o da janela não estava mais lá... O outro pediu transferência de cama;
Dali, ele via apenas uma nesga de céu e a parede de reboques descolando; perguntou pelo
jardim; onde estava o jardim?
- que jardim?
- o que meu colega descrevia.
- como descrevia, se ele era cego?
Um tinha e doou o que tinha; fez a felicidade do povo; o outro não tinha e doou até o que não tinha e fez a felicidade do outro.
Assim agem os anjos: não precisam de rosto para nos assistir; há homens que são anjos e, entre eles, o que faz a diferença é o coração.
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