quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Carta (Em 10/03/2006)

Cecília querida, nossos filhos têm me protegido contra a saudade.

Há sinais de que você veio de um plano superior; sem essa procedência, é muito difícil à mulher idealizar estágios e guiar o iniciando pelos caminhos de dentro.

Num primeiro estágio, você me iniciou pelos órgãos dos sentidos: eu aprendi a ver, a ouvir, a ser cobrado e aceitar, para manter a estabilidade do casal.

Quando você percebeu que eu tinha superado a primeira fase, você me apontou outro caminho a seguir pelas vias estreitas da abdicação, da entrega, do zelo: você ficou doente; e me vi contido num destino fechado, envolto em tentáculos que se alimentavam de minha impotência, na luta contra o mal que a consumia implacável e irreversível. Meu Deus!

Quando você percebeu que eu tinha superado o estágio da abdicação, da trituração, era hora de você me deixar para que eu sozinho praticasse o exercício da solidão de que me alimento ainda.

Hoje vejo bem nítidas essas fases e, se falo de mim Cecília, é para exaltar a entrega com que você atuou nesses estágios; você foi se anulando até o esgotamento de suas forças; num dado momento, você parecia repetir o Cristo: é preciso que eu vá para que venha sobre ele o Paráclito. Ainda alimento a esperança de que ele venha para que eu possa passar a outros a consciência de uma Luz que orientou seu esforço até o final da jornada que você ultrapassou com a dignidade de seu anonimato.

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