terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

As Escolhidas - 1/3 (Em 04/10/2007)

Pois não foi assim? Foi sim. Assim.

Casada, há dez anos fez de tudo por ter um filho. Ouvia as vozes de cobrança, sem saber neutralizá-las e se lançava a toda espécie de experimentação que os diversos médicos iam lhe indicando. Veio por fim a grande aventura: fez inseminação; fez e veio a notícia: estava grávida e a solidariedade dominou o ambiente.

Dois meses depois, pouco mais, o embrião simplesmente caiu; caiu nas mãos dela. O que dizer do pasmo, do vazio, da frustração, o que dizer?

O normal em uma mulher, é que tenha filho; se não tem filho, é porque foi escolhida: está neste mundo a serviço de uma causa que ela desconhece.

Para trabalhar os outros, será preciso aprender a aceitar as próprias limitações; por seu sacrifício, alcança deixar-nos a mensagem de que estamos sujeitos a restrições de infinita natureza.

Não menos estranho é o da mulher que não se casou, apesar de ter estado sempre aberta ao casamento, também foi escolhida e a solidão é um dos sintomas dessa escolha; começa a ver-se como alguém rejeitado e nisso se consome. Vê isso como um lado sombrio de si mesma.

Há um aspecto sobre o qual me parece que a mulher deveria pensar: se existisse para ter filho, ela teria um aparelho auto-fecundante a que poderia recorrer em situações assim.

Lembra daquela parábola dos trabalhadores de última hora? Eles estavam na praça; veio cedinho um senhor e os contratou mediante pagamento estipulado; saiu outra vez às nove, às doze, às quinze e finalmente às dezessete horas. Perguntava antes a cada grupo por que não estavam trabalhando e a resposta era a mesma: ninguém nos contratou. Ao final do dia, ele pagou a todos com salário igual.

Percebeu? Todos receberam igualmente porque estavam em disponibilidade; se ninguém os contratou não é culpa deles.

A mulher que não teve filho estava em disponibilidade; se não se realizou como imaginava não é culpa sua. Também a outra que não se casou: a solidão já é uma espécie de parto que dilui suas forças de dentro para fora. O ideal é que entenda sua condição de escolhida e se lance em função de descobrir a que está destinada. Quanto mais se esquecer de si mesma, mas abre espaço para que de sua interioridade venha a indicação do caminho a seguir.

Uma das funções do filho é fazer a mulher esquecer de si mesma; a mulher sem filho pode estar num estágio além; dela já se exige que pratique a abdicação como meio de encontrar a si mesma.

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