Pois é, o avião caiu e nos arrastou com ele; pareceu morrer alguma coisa em nós, talvez pela proximidade do acontecimento. A dor da situação se insinua em nós como verruma.
Paralelamente à dor de tantas perdas, uma outra dor nos aflige: a dor de flagrarmos a esperteza, a ganância apontada, a prevaricação que parecem estar por trás dessa cena de horror.
Na ausência do piloto que se defenda, vão dizer que ele errou, o pneu da esquerda furou e assim se montará mais uma farsa com que se acobertarão os verdadeiros responsáveis por essa comoção.
A situação será abafada com o passar de mãos na cabeça uns dos outros, tapinhas nas costas, olhares furtivos e tudo será lançado a débito da pizzaria; as famílias serão indenizadas, que calem a boca e tudo dentro dos conformes tais que tais. É difícil pensar de outro jeito, em face do que vemos em atividades nas hierarquias constituídas.
Bem, estava falando do acidente; por ele, você percebe o que é o movimento, a força de destruição, quando em desequilíbrio e mal orientado, entra em nossa casa, como entra em nosso corpo, explode e mata a doença e mata a saúde, mata-nos. Quantos morreram? E quantos dos que ficaram estão morrendo na dor de seus perdidos! O movimento é isso: domina-nos por fora e por dentro, comete esse tipo de violência, sem que percebamos; dentro de nós, até o movimento faz silêncio, sem perder sua característica de devastação.
Os que morreram estão livres de ver o que estamos vendo como se faz a pizza: um acusa o outro, o outro o um, reuniões daqui e dali; a culpa é da extensão da pista ou da neblina que não havia; tudo se cria, tudo se inventa, nada se faz.
A morte é uma só; não existe diferença na morte; nós do lado de cá é que a vemos com nossos juízos de comoção, paixão ou indiferença; o Iraque vê a morte com raiva, aviltado em seus domínios.
Os que nos deixaram são heróis por nossa causa; deram a própria vida para, quem sabe, alertar contra a demência, a inércia com que nos anestesiaram.
Os que morreram não viram a morte; despertaram em outro plano inocentes de nossa perversidade; somos perversos sem cura; o mal grassa em todas as camadas a ponto de darmos mais atenção ao criminoso; quanto mais bandido, mais avião o espera com escolta, enquanto o trabalhador expira nos corredores do SUS.
Os que morreram estão no repouso e que assim permaneçam. Não somos nós que devemos orar por eles; eles estão fora dessas tribulações por que passamos neste plano; eles que orem por nós e nos alcancem sermos inseridos no descanso fora daqui ou dentro de nós mesmos, na paz que eles estão vivenciando por mérito, expulsos que foram por negligência nossa.
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