A Carla Palmiere teve a gentileza de me mandar um poema de Baudelaire, em que o autor nos aconselha a estarmos sempre embriagados, para não sentirmos o fardo horrível do tempo. Ele dá realce à embriaguês pelo vinho. Se você acordar, pergunte ao vento, ou a tudo que flui, que canta, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, o pássaro, a estrela responderão:
- é hora de embriagar-se para se libertar do tempo.
E termina indicando com que nos embriagar: vinho, poesia ou virtude.
Tudo o que vem de Baudelaire é profundo, sutil, volátil, etéreo, mas aqui o poeta vai mais longe: insinua nossa ida ao próprio interior; pretende alcançar as camadas profundas pela imagem que faz do vinho; lembra o sangue, as experiências de além-mundo ou mesmo a alegria nas festas de Dionísio. Vai longe esse Baudelaire! Ponha-o à corda solta e ele invade nossa intimidade com guiado por sua aguda intuição.
Ele fala do fardo do tempo que, para ele pessoalmente devia ser terrível: jovem ainda com a carga de pensar tão alta ou tão dentro. Mas aqui há uma contradição: se o poeta vive na própria interioridade, na interioridade não existe o tempo; não era para ele sentir esse peso; porém nisso ele é o grande poeta: não fala de si; sabe vivenciar nossas limitações; sabe pôr-se em nosso lugar e sentir os males que nos afligem, em função do tempo, ao tempo em que nos indica o quanto vive a realidade desta vida, pelo lado de fora de si mesmo.
Essa idéia de peso aparece também em seu delicioso poema “O Albatroz” que, com as asas encharcadas, não consegue alçar vôo. Prometo voltar a esse poema porque é de uma atualidade impressionante. O poeta é o albatroz que vai buscar, dentro de si mesmo, o alimento com que nutrir sua obra de tanta sensibilidade.
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