Vi, pela televisão, uma gravação antiga: um coral, talvez da Capela Sistina, pela sonoridade, pelo repertório, pelas telas de fundo; foi-me e de muita emoção identificar a soprano Rachel Harnish ainda jovem solando o Laudate Dominum de Mozart. A voz era um fio tênue e delicado que tentava se sobressair a um acompanhamento de muito barulho; um acompanhante jamais pode colocar-se acima do solista e foi o que se pôde perceber naquela apresentação, talvez por problema de acústica.
Faço essas considerações porque tenho uma gravação recente da mesma solista, com Coro e Orquestra Filarmônica de Berlim, por ocasião de uma homenagem fúnebre ao maestro Herbert fon Karajan. Creio que, em matéria de apresentação, é o máximo que um artista de qualidade pode almejar, dado o ambiente, a qualidade do público e a excelência dos músicos. A orquestra não é apenas afinada, coesa; há um requinte vivenciado por aqueles músicos de altíssima sintonia em suas vivências em planos de alta perfeição, quando se trata de música erudita. O concerto foi dirigido pelo eminente Cláudio Abado.
A Senhora Hamish se despreende de si mesma e passa a ser apenas voz, uma voz generosa que percorre com facilidade vasta extensão de sons ora em falsetes agudos; ora em voz de peito que desconhece a dificuldade nas extremidades sonoras. De sua apresentação, não haverá aplausos; ninguém baterá palmas que isso é assim do ritual; mas ela tem consciência de seu papel naquela solenidade: a de ser a Dama por excelência; sua linguagem é de genialidade que inspiraria meditação ao próprio Mozart irrequieto.
Ao despreendimento da senhora Rachel, associe-se a piedade com que ela canta, centrada em si mesma, deixando escapar uma sonoridade dosada em matizes que tornam seu canto multicolorido e muito comovente. Beleza pura...
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