"Teu bom pensamento longínquo me emociona. Tu, que apenas me leste, acreditaste em mim, e me entendeste profundamente. Isso me consola dos que me viram, a quem mostrei toda a minha alma, e continuaram ignorantes de tudo o que sou, como se nunca me tivessem encontrado."
Sutil o pensamento dessa moça! Impressiona sobremaneira o encadeamento sonoro; a melodia com que a autora canta sem perceber que está cantando e vai sonorizando a frase com a finura de um oboé, o fio de suas emoções.
A autora distribuiu os assuntos em duas partes, formadas por um par de opostos; encontrou neles talvez, a conciliação de que resultou a musicalidade, os sons predominantes em sua fala.
Na primeira parte ela se manifesta feliz por ter encontrado identidade de sua alma em texto que leu, escrito por alguém a quem ela trata por tu.
Pretendeu com esse “tu” criar um ambiente de nobreza do tipo “tu o disseste”, com que Cristo encerrava alguns de seus diálogos; mais distante, Sócrates assim tratava aqueles com quem dialogava.
Nesta parte, a autora passa a palavra à Sabedoria para fazer um elogio; utiliza-se de um expediente de intensificar a verdade que pretende imprimir em seus sentimentos; a Sabedoria não engana nem se engana. Então afirma que foi lida pelo autor de um texto; ele acreditou nela, por isso, manifesta-se feliz; encontrou identidade em alguém.
Na segunda parte, ela fala de seu desencanto. Muda do contentamento para a frustração; era de se supor que, na passagem de um assunto para outro contrário, a autora se utilizasse de uma adversativa forte; ela o faz com tanta elegância que esconde a adversativa num simples “e” em vez de: porém, todavia e outros.
Atenua assim a mágoa com os que têm o coração endurecido; a eles “mostrei toda a minha alma”, diz a Sabedoria; porém seus olhos estão vendados e não conseguem ou não querem vê-la, apesar de ela se fazer presente em tudo.
Assim acontece com muitos portadores de uma mensagem; desejam transmiti-la, suas ideias são rejeitadas e o mensageiro tem de se recolher ao silêncio ou ir a outras paragens onde se faça ouvir.
Ainda estamos longe de desenvolver nossas potencialidades; a Consciência sabe disso. Memória, razão, inteligência, sabedoria, verdade, justiça e amor são os sete degraus
da escada de Jacó. Desses sete atributos, nós ainda não conseguimos sair do primeiro: o atributo da memória.
Estamos patinando no campo da memória, revivendo assuntos de um passado fora de nossa realidade e distanciados de nós mesmos.
Você, querida, pode aquilatar o quanto ainda é por alcançarmos o estágio da Sabedoria, em que você, inteligentemente foi buscar abrigo; mas é preciso lutar para isso; não podemos desistir; não desistirei enquanto encontrar sensibilidades como a sua: emocionada com a leitura de um texto e de trazer à tona esses flashs que a Sabedoria deixa escapar por seus escolhidos.
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