O espelho me mostra um terceiro eu, aquele que está por trás do que vejo; no que vejo, identifico sinais de desgaste ou de solidão fincadas no rosto.
O espelho me mostra revertida minha imagem e, ante ela, sinto-me frente a um juiz; ele me acusa das tensões que me causei; pela linguagem irrefutável do silêncio.
Poucos se demoram diante do espelho, salvo para retocar algum sulco aberto pelas agruras da vida ou pelas ânsias não resolvidas.
Só Narciso durou diante do espelho para contemplar a própria beleza e exagerou tanto que viu no espelho o poder de falar. Projetou no espelho aquilo que imaginou de si. Mas a imagem que via no espelho era movediça: o espelho era de água.
A água é feminina; ele via a si mesmo por uma projeção do feminino.
O espelho é um confidente; ele nos propicia o desabafo: despejar naquele que vemos nossas distorções. Sem rodeio, abrir a caixa de Pandorra e deixar que as mazelas se vão de nosso dentro. Falar linguagem direta, sem proteger o que vê. O que vê é o responsável pelo que está vendo.
O espelho é instrumento catártico.
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