Aquela mulher foi de uma espontaneidade impressionante, pela marcação ritmada de seus passos e pelo gingado que brotava de seu corpo esquálido.
Vi-me no centro da cidade grande; o povaréu pra lá e cá. Pois é. Ouvi, lá adiante, uma música na linha de meu percurso.
Um rapaz começou a tocar violão acompanhado por gravações em fita, cantava e o grande círculo foi se formando que a música era boa.
Chegaram os guardas municipais; gente arrogante; interromperam a apresentação sem a menor consideração com o povo ali em volta; o moço parou a música ao meio, sacou da papelada; foram-se. O show recomeçou.
Súbito, apareceu uma mulher mendiga; magra, vestida de preto, cabelo desgrenhado, sandálias havaianas e um ritmo frenético com que dançava, exprimindo-se em volteios como um vulto esvoaçando em esguios traços de uma serenidade encantada.
E me demorei em contemplar a cena: o povo ria, não de deboche, mas de uma certa alegria contida. Parecia que todos eram parte daqueles ossos flutuantes; o povo via naquela mulher a liberação de suas ansiedades e ria por se sentir incluído: alguém estava fazendo o que todos gostariam de fazer, naquele lugar àquela hora. Era a catarse. Aquela mulher fazia com todos uma catarse a céu aberto.
Sabe aqueles pulos que os jovens dão em shows de rock? Aquela mulher fazia tudo com uma precisão matemática e uma plasticidade elegante que lhe permitia o corpo esguio.
Pude notar ali um par de opostos: de um lado, um farrapo humano chamejante; do outro o talento se exprimindo de em meio a escombros, porém com vivos sinais de elegância e encantamento.
E saí dali convicto de ter ouvido um brilhante discurso de como de dentro da pobreza extrema a alma dá o ritmo para os pequenos e grandes acontecimentos.
Aquela mulher ficaria em minhas retinas como presença do sagrado nas ruas da cidade grande.
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