segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Santo Daime - Respondo - 3/6 ( Em 23/12/2008 )

O Cauê quer saber qual é a impressão que se deve ter do Santo Daime. Eu tenho uma boa impressão deles sim, Cauê.
Não entro nos pormenores quanto às práticas, aos rituais, aos procedimentos, às atividades. Esses se modificam com o tempo; a religião não, se veio das raízes profundas do ser humano e passou pela experiência coletiva de diversas gerações antes de se firmar.
            O que eu sei sobre o Santo Daime é que é uma religião que veio dos costumes do povo e foi se sedimentando com o tempo, passou a ser norma não escrita entre os adeptos, até que alguém resolveu enquadrá-la num estatuto escrito. 
Pense na música; ela nasce na roça, nos gorgotões, entre os aldeões, chega à cidade e ganha forma escrita e alcança os salões. E, mesmo nos salões, não perde o cheiro da terra de onde veio. 
            Assim se dá com as verdadeiras religiões: elas têm de vir do povo, das crenças não escritas e vão se enraizando na mente coletiva.
            Sirvo-me de um documentário que vi há uns 25 anos e de que me emociono ainda.
Um cientista se perdeu numa região remota e foi capturado pelos nativos; viveu com eles quatro anos; alimentavam-se da pesca: os golfinhos empurravam os peixes para a praia e eles pescavam em abundância; certa vez os golfinhos deixaram de vir e o povo passava fome, muita fome; a fome matando a espécie.
E se faziam preces, altares de sacrifício, vidas sacrificadas, encontro entre eles; dois anos depois um avião circulou pela região; eles acenderam uma fogueira; foram vistos; do avião deu-se orientação a uma fragata; o cientista explicou o que acontecia; quis ficar entre os nativos. Sabedores do que ocorria, logo descobriram e orientaram um navio a demover a causa: certo dia, os pajés viram, na linha do horizonte, o sinal dos golfinhos na direção da praia e houve gritos de alegria e houve festa; os pais jogavam os filhos para o alto; outros se atiravam ao solo, ajoelhavam e oravam numa profunda profusão de felicidade. 
Perceba Cauê, para esses nativos, os golfinhos eram os deuses que lhes traziam a comida com que manter a tribo; quando o deus faltou, faltou a comida; os golfinhos estavam  embutidos na mente desde crianças como deuses do alimento; passaram a ser motivo de veneração de uma coletividade; todos identificados com a mesma verdade. 
Perceba ainda que o cientista ficou na mente deles como um anjo de luz, porque só por meio dele foi possível restabelecer a alimentação na comunidade.
O Santo Daime é uma religião nascida das experiências de um povo simples; veja esta expressão: "povo simples" é fundamental porque só os simples estão voltados sobre si mesmos de onde vêm essas inspirações e visões.  
As gerações seguintes crescem e sedimentam sua crença nos acontecimentos que os mais velhos lhes contam e os aceitam como verdade porque aquilo lhes desperta faculdades adormecidas. Em suas profundezas, todos se identificam com aquela verdade; daí para a prática é um instante apenas.
Com o tempo, aparece alguém e assume a incumbência de colocar no papel aqueles procedimentos de seu povo; oficializou-se a religião.
O Santo Daime vem dessas origens primitivas.

Nenhum comentário: