A menininha ia pela rua gritando manhosa e o pai arrastando aquele montinho de espalha-fatos. Nisso soltou-se o sapato do pé; o pai voltou, pegou o sapato e lhe pôs no pezinho relutante, com paciência de pai.
Cena rápida; havia uma mocinha sentada num vão de pilar, à entrada do Shoppin, e eu brinquei com ela:
- case-se que será assim.
A moça cresceu na sua raiva e me respondeu dura:
- se fosse comigo eu dava uns solavancos nela que ela ia perder o caminho da venda.
O fato deu pra formar um perfil: o homem pai com a paciência da mãe; a mocinha com a explosão de pai. E de tudo sobrou a expressão “ela perderia o caminho da venda”; forma antiga de dizer coisas atuais e aquela mocinha me brindou com essa raridade. Só se falou aquilo em função de meus cabelos brancos! Seria aquela moça versada em metáforas e ironias! Ela fez birra comigo e eu não soube calçar-lhe o sapato!
Aquela criança apenas criou ensejo a que cada um de nós três projetássemos a própria realidade: o homem praticando o exercício de carregar o futuro, superando a resistência do presente; a moça, depositária de uma força que traz de seus recônditos; eu
despachei tudo aquilo num sorriso amarelo: bem que poderia ter ficado quieto.
Aquela criança criou ensejo de eu ser colocado em realidade avançada.
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