terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Casamento ( provocações) - 2/6 ( Em 29/07/2008 )

            Um grande amigo me mandou um texto de certo autor que quer saber por que as pessoas se casam de papel passado. O autor cria mil óbices para argumentar contra.
Pelos argumentos, ele se situa do lado de fora; vê os acontecimentos por um binóculo; não entra; e, pela visão de fora, aponta todos os aspectos que imagina, como negativos, desairosos. Que pena!
Defendo a mente humana; não defendo o processo social; o que se busca com essas considerações, é confundir a mente humana.
O casamento de papel passado propicia um benefício para o homem; o casamento de papel passado é uma tentativa de beneficiar o homem, na trajetória de seu destino.
Talvez o autor não saiba o que é morar no interior, em cidade pequena, o quanto ferve um comentário de que a filha de seu fulano saiu de casa e foi morar com o Oswaldinho, o da farmácia ou está morando com um pé-rapado. Esse autor não pensou no que é a vergonha por que passa um pai em situação assim. Satisfez-se com as aparências do casamento; satisfez-se com a casca e nada sabe sobre o âmago da árvore de onde deveria extrair o suco de suas idéias.
Na realidade, o casamento com cerimônia e tudo mais tem alguns sentidos:
- defender os filhos contra as más línguas.
- chamar a sociedade como testemunha dessa defesa.
- zelar pela honra da família.
            Isso não é tradição; isso é prevenção. Se o moço não conhece isso, então não pode entender o que digo. Dizem que a verdade tem um brilho que ofusca a visão dos renitentes. Sabe o que é um homem desonrado?
Uma moça que anda por aí é traidora do pai; seríamos capazes de auferir a extensão da dor de um pai traído? Se a esposa o trai, ele explode e é capaz de chegar a vias de fato;  mas se a filha o trai, a dor é contida; o pai se sente só, porque tem vergonha de desabafar a própria dor; e ele a tem de curtir na solidão.
            Qual é o pai, a mãe que não deseja o melhor para seus filhos? E qual o meio de manifestar esses desejos senão evocando sobre eles os princípios religiosos?
            Os pais não podem entregar os filhos como quem entrega mercadoria. Eles sabem que estão lidando com vidas e é preciso criar-lhes um ambiente de religiosidade que dê sustentação à vida. Nessas condições, nada mais adequado do que as cerimônias religiosas.
- canalizar energias positivas sobre os filhos.
- pedir o auxílio dos planos superiores sobre eles.
- abençoar os filhos, em sua intenção de reproduzir a vida.
            Depois de tudo isso, quando os dois fecharem a porta, se a coisa não der certo, os pais fizeram o que estava a seu alcance, a sociedade viu; alguns dos convidados é que não estavam à altura de participarem dessas cerimônias.
            Aprendamos a separar as coisas.
            Há um terceiro aspecto: o homem precisa conviver com a mesma mulher o mais possível; aquelas perguntas que ela faz ao homem são no sentido de conduzi-lo à própria interioridade; é incumbência dela esmagar a cabeça da serpente; esmagar a cabeça da serpente é isso; conduzir o homem para dentro dele, para que ele experimente o mundo da consciência; a que a serpente não tem acesso; a serpente está no mundo da razão; a mulher conduz o homem para o mundo da sabedoria, verdade, justiça e amor; esses exercícios, sem a cobrança da mulher, são praticamente impossíveis porque o homem nem tem consciência deles.
Quando um homem deixa uma mulher, ele sai perdendo, mesmo que se junte a outra no imediato; a anterior já sabia como ativar os pontos de conduzi-lo para dentro; a seguinte vai precisar de outro tanto de tempo para dar prosseguimento ao que foi interrompido, se é que ele vai esperar...
            Um quarto aspecto é que, quando um homem assume um compromisso, sobretudo de papel passado, ele se compromete com uma verdade; a verdade é um atributo da alma; se deixa de cumprir esse compromisso, afastou-se da própria alma, rompeu com a verdade; fechou ainda mais os portões de dentro; se não se conserta, deserta de si mesmo.
            O casamento é uma necessidade no plano do sagrado; e o sagrado corre por dentro de nós; se vulgarizarmos essas coisas; a vulgaridade não está no casamento.

Reminiscências - 3/6 ( Em 29/07/2008 )

Platão diz que “entre a ignorância e a ciência existe um terceiro elemento: a reminiscência”. Em outra parte, ele afirma que, se eu sei algo embora não conheça esse algo, é porque minha alma viveu esse algo em outro plano e tem dele a reminiscência.
Esse Platão é demais! Em que baú esse homem foi buscar isso!
Platão está afirmando que no interior de todos nós está a alma; o que eu vejo e desconheço minha alma já viu e o identifica. Eu sou ignorante quanto ao caminho a percorrer na direção de minha alma; eu não sei qual é o caminho, mas minha alma sabe e me orienta porque ela tem em si a reminiscência, a lembrança desse percurso. Lindo! Lindo!
Por que a reminiscência? Porque, segundo Platão, quando a alma se estabelece em nosso coração, ela se esquece de tudo. À medida que eu vou vivenciando as coisas aqui fora, ela vai recordando. Parece que eu já vi essa cidade, já estive nesta praça; é a alma despertando suas lembranças.
A princípio, a alma fica restrita à emissão de energia, esquecida de tudo. Nós, aqui fora, devemos encaminhar a mente na direção dela para que ela vá readquirindo a memória de suas origens.
Mas como foi que eu me esqueci disso! Por que só agora me lembrei? Eis aí um exemplo típico de reminiscência. A alma despertando e nos apontando sua real condição de auxiliadora, mesmo aprisionada na densidade da matéria.
O tema é tão bonito que até me esqueci do que ia fazer. Eu ia estabelecer um paralelo entre a ignorância e a ciência. Fiquei no meio, com a reminiscência.
Não era aí que os latinos nos aconselhavam ficar? “Virtus in medio”. Não sei como diziam essas coisas se foram tão violentos! É que tinha consciência de uma estratificação existente entre eles: em um dos extremos, as elites; no outro, os guerreiros; no meio, os da virtude; exatamente onde se situa a reminiscência de que a alma se serve para nos elevar. 

Distorção da mente – 4/6 ( Em 29/07/2008 )

Fomos orientados a viver em dependência do dinheiro.
Fomos orientados a nos colocar submissos diante de Deus.   
Deus não nos quer submissos; Deus quer conscientes.
Por nos julgarmos dependentes, nivelamos tudo pela lei do escambo: dar e receber: se eu trabalhar, eu ganho; se eu orar, eu recebo; Deus me ajuda porque eu faço minhas orações. E tudo funciona por troca: toma lá, dá cá e nisso nos ocupamos o tempo todo.
Essas são fórmulas bem urdidas para nos manterem presos, submissos, ignorantes, acomodados entre as paredes de uma prisão de que não temos consciência.  
Quanto mais a burguesia se impunha e se consolidava, mais fomos perdendo a consciência de nossa liberdade; em conseqüência reforçamos nossa confiança num Deus protetor, sem que nada façamos por ser protegidos.
A burguesia plantou em nós o gosto pela superficialidade; é muito mais fácil vender pelas aparências; a casa deveria está pintada, retocada, arrumada; não importava se o encanamento era podre; valiam as aparências.
A burguesia implantou a desordem na mente humana, motivando-a a destruir a natureza; agora apresenta-se como solidária de uma preservação em que ela não alimenta o menor interesse.
Alguém dirá: - esse negócio de burguesia já era; isso é coisa do passado. A própria burguesia criou essa pecha para atuar com mais liberdade nos subterrâneos da mente sem ser percebida; é de sua tática; basta ver como aumenta indiscriminadamente o preço do petróleo, como resiste a diminuir suas fontes de poluição e como subsidia os próprios produtos, tirando qualquer possibilidade de os mais fracos entrarem em seus mercados. 
A reconstrução será cada um em si mesmo; é a única forma de nos libertarmos da confusão que se implantou em nós; a única forma de eliminarmos a ignorância é nos entendermos como centro; enquanto ficarmos do lado de fora esperando das periferias, seremos sempre dependentes de condicionamentos que os séculos inculcaram em nós como forma definitiva de nos amordaçar

Tempo movediço - 5/6 ( Em 29/07/2008 )

             Um cronista de real valor fazia um comentário sobre duas grandes potências, uma econômica outra bélica. Uma se fixava no futuro; toda a sua vitalidade estava direcionada para o futuro; “mas o futuro nunca chega”, dizia o escritor. A outra potência vive em função do presente; tudo feito em função do aqui e agora e dizia ainda o autor: “mas o presente nos escapa sempre”.
A base do aqui e agora está na interioridade humana; na interioridade humana, o aqui e agora é permanente; não existe o tempo.
Essas nações firmaram seus alicerces no tempo mas o tempo se esvai e não oferece sustentação. Essas nações vão sofrer abalos porque o tempo passa.  Ambas têm os mesmos objetivos, só que com roupagens diferentes. Por isso, não conseguiram manter-se: a do futuro fechou a cortina sem saldo sequer para segurar seus cientistas que estão hoje a serviço de nos amedrontar, com tochas atômicas, sob o fausto do petróleo. A outra, açoitada pelos ventos do orgulho, varreu um país e se enfiou num beco sem saída; agora sente o peso da vergonha de bater em retirada.
Se existia um ponto comum, este pode ser dimensionado hoje pela derrocada com que arrastam atualmente as bolsas e a escassez de alimentos em toda parte. O pior é que a doideiras dessas malucas reflete sobre nós, que nada temos a ver com a vaidade de ambas.
Viver o aqui e agora sem abdicar, é superficializar; por mais que se queiram criar raízes, não dá porque o tempo também tem seus caprichos; faz passarem por nós as horas, e não nos dá segurança. O tempo nos consome quando o colocamos como amuleto de nossos passos.
Lembra aquela menininha Isabella? Nós fazemos do tempo um referencial e o tempo nos atira pela janela.
Aquela do aqui e agora tinha duas irmãs; eram a menina dos olhos; eram o mimo de ser e o tempo lhes cortou as pernas e ambas tombaram sobre o orgulho de se confiar no tempo.
Só podemos confiar no tempo onde ele não existe; o tempo não existe no coração humano, se ele está isento dessas vaidades que,  por cegueira, os homens buscam fixar seus alicerces no movediço do tempo.

Vestes antigas - 6/6 ( Em 29/07/2008 )

             Nas grandes literaturas, aparece essa expressão “retirar” as vestes antigas. No Fisher King o moço príncipe quer entrar no palácio por intuição de que ali está sua amada; o escudeiro grita: “tire essas roupas velhas que sua mãe lhe deu”! É uma referência aos hábitos e costumes a que nos apegamos e de que precisamos nos desvencilhar, se quisermos entrar no “palácio” de nossa interioridade.
Não raro pensamos que o desapego é apenas de bens e nos esquecemos do orgulho, a mesquinhez; não nos darmos conta de que isso faz parte das roupas velhas. Essa “mãe” a que o escudeiro se refere pode ser a sociedade, a religião, a escola, são instituições que podem revestir o jovem com certas armaduras de que ele não consegue perceber-se vestido.
Conta-se que o filhote de camelo perguntou à mãe:
- mãe, por que nós temos essa corcova?
- para superarmos as distâncias, sem água no deserto filho, sem ela morreríamos de sede.
- mãe, por que essas pernas tão compridas?
- para não ficarmos presos aos areais do deserto, filho.
- mãe porque esses pelos tão compridos sobre nossos olhos?
- o vento é forte e traz pedras junto com os areais; sem esses pelos, ficaríamos cegos, filho.
- mãe, se nós nascemos para viver no deserto, por que estamos num zoológico?
            Dá pra perceber as vestimentas inadequadas dessa mãe? Não tem consciência sequer da realidade que está vivendo com o filhote, presa a costumes de que já não mais se utiliza, passa a ele uma noção de algo irreal; é a mente que parou no tempo. Não é diferente conosco; não sabemos abdicar da mentira, da inveja, das aparências e vai por aí.  
Devemos ser os guardiões de nós mesmos e nos despirmos dessas fantasias; quem nega a necessidade de se vigiar é porque se nega a encarar algo de um passado sombrio; procura nivelar todos a seu estado patológico desastrado.
A vida é hoje; aqui e agora, adaptar-se a esse aqui e agora é tarefa de esforço necessário à abdicação de toda roupa velha.
Cristo vive no aqui e agora quando afirma “Antes que Abraão existisse, eu sou”. Cristo não diz: eu fui, eu serei; Cristo diz eu sou; no presente, aceitando a própria realidade; despojando-se de todas as roupas antigas; como veio redimir a humanidade, carregava a roupa de todos.  

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Desfecho (por sugestão) – 1/6 ( Em 22/07/2008 )

 O prefixo dês indica ação contrária ou confirmação: fecho x desfecho; o fecho como organização, o desfecho como culminância dessa organização, resultado.
Essa estrutura é da dissertação: a introdução é o fecho; a conclusão é o desfecho.
Qualquer tese tem de começar por um fecho, a introdução e terminar por um desfecho, com que se confirma a afirmação inicial
Estamos sempre procurando o desfecho de tal ou tal situação. Machado de Assis fez um fecho entre o Bentinho e a Capitu; falta que achemos o desfecho; está aceso o debate.
Uma idéia pálida pode ser apontada por aquela dos filmes românticos; as lutas por que o herói tem de passar para libertar a amada. É a representação da luta que se impõe ao espírito na direção de alcançar a própria libertação como desfecho.
O substantivo fecho aplica-se bem ao masculino; o homem é um fecho; e, enquanto permanecer na horizontal da razão, o homem será fechado em si mesmo; e o pior de tudo: não tem consciência disso.
Sem a assistência da mulher, o homem ficará repetindo vida morte; fecho x desfecho porém na horizontal da razão; sem a assistência da mulher, não haverá desfecho progressivo porque, no que se refere à trajetória do homem, o desfecho precisa de verticalização. O feminino é que dá o impulso para que o masculino alcance progressão nos sucessivos desfechos ascendentes, na trajetória de seu destino.
É comum vermos um foguete ganhando altura e foguetes menores sendo descartados no espaço; já contribuíram para levar a nave mais longe; assim acontece como o espírito: o feminino faz com que ele ganhe altura pelo poder de conduzi-lo à interiorização, pela abdicação a que a mulher o submete; são acontecimentos que empurram o homem rumo à Consciência, quando se dará o grande desfecho.
O desfecho, no que tange a nossa vida, é portanto a marca da libertação: saímos do mundo da mente para o mundo da Consciência. Na saída, dá-se o desfecho; mas esse é apenas mais um dos desfechos por que passaremos para alcançarmos a luz. Até lá ainda haverá muitos desfechos e parece que cada desfecho por que vamos passando,vai confinando-nos, tornando-nos cada vez menores para que caibamos numa partícula de luz que será o desfecho da chegada.
O maior dos desfechos será aquele de promovermos o encontro do espírito com a alma. Esse será o desfecho de todos os fechos.
Em verdade, o espírito nunca se encontra com a alma; apenas os dois solfejam a mesma nota em tom igual, mas cada um com seu timbre. Isso é o encontro; isso é o desfecho.

Fala e falo (provocações) – 2/6 ( Em 22/07/2008 )

           Um leitor amigo me mandou texto em que o autor diz ter perdido a fala e, passado algum tempo, ocupou-se com o falo.
Por essa tomada, já se percebe uma predominância dos instintos sobre a mente.
Quando deixamos de usar a mente, as vozes de baixo se impõem à racionalidade.
Temos de confrontar os dois aspectos e a decisão do autor.
Se o pensamento é a manifestação mais elevada do ser humano, a fala é expressão do pensamento; é um valor intermediário entre o homem e os planos superiores; pela fala, o homem se projeta no itinerário de seu destino.  Perder a fala e optar pelo falo é que é regressivo, porque o falo responde aos instintos e os instintos não pensam.
O autor chega a afirmar que, quando perdeu a fala, a princípio se sentiu muito bem, depois é que veio a substituição.
É claro! Sem a fala, ele alcançou o silêncio e ali deveria ter permanecido. Não resistiu que a linguagem do silêncio é inicialmente pesada, penetrante; não pode fazer frente ao barulhão que vem do mundo dos instintos. Na preferência que o autor fez é que está o andar para trás.
Deve haver em morfologia humana ou na medicina um estudo sinestésico sobre o qual, quando se perde um órgão, a energia do órgão perdido se desloca para outra área. Pela Sinestesia, fica desvendada a intenção do autor em estabelecer uma relação libidinosa entre língua e falo.
Não deixa de ser interessante o fato de se ter tomado a fala como metáfora para esconder uma intenção; mas a força da Semântica desvenda o que está por trás do que é.
O que sobra do texto e a percepção de uma pessoa agitada por seus instintos no calor tropical de nossa terra. 

Homens e seus enigmas – 3/6 ( Em 22/07/2008 )

            Homens e mulheres subindo a montanha de difícil acesso. De quando em quando paravam, faziam preces; cantavam e reiniciavam a subida; no alto do monte havia duas cruzes com fitas de cores leves que se agitavam ao vento. E cantavam seus hinos e faziam preces olhando para o céu. Acreditavam que do alto vinha o poder.
Alguém me segredou, no centro da cabeça que aquelas criaturas não tinham escola, nem biblioteca, nem livro; formavam apenas uma comunidade de fé, entrelaçadas pelo mesmo poder de sintonia com o sagrado; viviam para o sagrado e o que produziam era comum a todos.
E me perguntei por que pessoas de tanta sintonia olhavam para fora de si mesmas? Por que o divino não lhes segredou que não precisavam subir o monte?
Deduzi de tudo aquilo que subiam a montanha por alcançar as alturas. É uma sensação também nossa; há algo de mistério; não percebemos que apenas o silêncio das alturas se sintoniza com nosso silêncio interior.
Não sei se me farei entendido: os grandes artistas entram em si, mas entram com um objetivo de encontrar uma expressão singular de arte. Com esse objetivo, não podem alcançar a divindade; resulta disso o serem conflituosos, angustiados porque seu espírito passou pelas periferias e não entrou na cidade de Deus.
Ora, assim como acontece com os grandes artistas de serem conflituosos, também era de se verificar com aqueles homens da subida.
Os artistas descem com objetivos; aquelas criaturas sobem com objetivos e os objetivos com que descem ou sobem tira-lhes a intuição de se identificarem com valores que ultrapassam seus objetivos.
A descida tem de ser no vazio de qualquer interesse. Aqueles homens e mulheres vão buscar, no alto do monte, o vazio que deveria ser encontrado dentro deles mesmos.
Aqueles seres são o produto indireto de algum culto primitivo que lhes incutiu a idéia de que a divindade está num lugar; o lugar é o centro e não foram orientadas a perceber o centro em cada um deles, cada um de nós.
O silêncio do alto é diferente do silêncio de dentro; o silêncio do alto é ausência; o silêncio de dentro é presença; a alma está logo ali.

Vale a pena? – 4/6 ( Em 22/07/2008 )

            Tudo vale a pena, desde que nos coloquemos com uma intenção sincera; com uma vontade firme de acertar. Se não acertarmos, a vontade trabalhou na linha de nossa construção; a vontade fortifica nossos ideais.
A construção do ser humano não está na chegada; está ao longo do caminho; é quando temos oportunidade de conviver com a verdade. A construção do ser humano é um estado de verdade que ele precisa manter onde quer que esteja.
Quando se trata de atuar com a verdade, é preciso bom senso; uma verdade que fira torna-se impiedosa; uma verdade que desmotive torna-se anti-ética; não vale a pena.
O jogador que se esforçou na intenção de vencer, se perdeu, ganhou; pode ter vivido uma experiência com a verdade, quando tudo ao redor escorregava para o adverso. 
Os problemas de minha casa são verdades minhas e não posso sair me despindo; serei capaz de evidenciar minha incompetência para lidar com os meus.
O jogador que se esforçou com a intenção de vencer, se perdeu, é só pensar no que dizia o velho Lavoisier: “nada se perde; nada se cria; tudo se transforma”; ganha impulso para a próxima oportunidade

Motivação – (Provocações) - 5/6 ( Em 22/07/2008 )

            Motivação é um ato de fé. Fé em mim mesmo; no outro, quando eu acredito que ele é capaz de superar e exalto nele um poder que ele desconhece em si mesmo.
A motivação se enquadra na lei de causa e efeito: “a cada ação corresponde uma reação da mesma natureza e em sentido contrário”. Significa que, se eu motivo alguém, recebo de volta a energia de que me utilizei para motivar o outro. No ato de motivação, a energia vai e volta; se sou eu o centro de minha motivação, eu libero uma energia que atua diretamente no sentido de fortificar a motivação de mim mesmo.
Motivar é um ato de despertar em alguém potencialidades que se encontravam latentes, inativas, adormecidas; vem alguém e desperta essas potencialidades ou algumas delas.
Estamos saturados de saber sobre pessoas que foram motivadas para a prática do mal; nossa formação, no entanto, nos impõe motivar o outro que desperte, em si mesmo, os próprios valores que lhe sejam bem em si mesmos.
Este é o sentido maior da participação: criar condições para que o outro se desenvolva; este é o sentido maior da contemplação: identificar no outro e lhe mostrar valores que possam vir à tona e se coloquem a serviço de bem conduzi-lo.
A maior preocupação de um docente deve ser aquela de conduzir o discente para dentro dele mesmo; assim orientado, ele trabalhará as próprias potencialidades; elas serão testemunhas do esforço do professor; deporão a seu favor em qualquer tribunal de consciência.  
Os métodos com que se faz isso são de múltipla espécie. Ocorre aquela empresa que levava seus funcionários para uma fazenda e os distribuía em pequenos botes; eles tinham de conduzir o bote na correnteza, superando em conjunto, a força das cachoeiras.
            É certo que aqueles funcionários não seriam mais os mesmos após a experiência; tinham praticado a tomada rápida de decisões para manterem o equilíbrio do bote; aquela experiência com certeza ficaria gravada no inconsciente e se estenderia às atividades de tomada de iniciativa na empresa.
            Há o desmotivado, o renitente, o inconsciente; para esses, o método pode ser amargo, desde que alcance o fim de fazê-lo despertar.
            A história anda aí pelas asas da Internet, e todos sabem daquele sujeito que trabalhava de faxineiro na empresa há mais de 20 anos; veio um novo dono e o chamou.
- a partir de hoje você passa a anotar os pedidos e outros  conteúdos de telefonemas dos
  clientes.
- moço, eu não sei ler nem escrever.
- então eu não posso ficar com você; tenho de demiti-lo.
            Recebeu os haveres, comprou um carrinho passou a vender miudezas, ganhou dinheiro. Certo dia foi chamado pelo banco – o senhor tem um dinheiro aqui parado, por que não aplica?
- eu não sei como aplicar.
- não se preocupe; eu faço tudo; você só precisa assinar aqui.
- moço, eu não sei ler nem escrever.
- puxa! Sem saber ler você conseguiu fazer tanta economia, imagine se fosse letrado!
- moço, se eu fosse letrado eu seria faxineiro, fazendo anotações de pedidos numa empresa.
            A dose foi amarga, mas a motivação veio despertá-lo para outros ramos de atividade:  empreendedor, vendedor, aplicação em banco, conversar com gerente, consciência de seu valor e, quem sabe, aprender a ler. Essas eram potencialidades que estavam latentes nele enquanto era faxineiro e, uma vez desperto, elas vieram à tona e o motivaram à reação.
            Se não é este o método ideal, pelo menos deve ser a intenção: levar o ser humano a se firmar; ir despertando em si a natureza de suas origens e os valores com que trabalhar.
            Motivar é um ato de fé; é ter em mente o poder que está no outro e conduzi-lo a identificar os tesouros enterrados no fundo de sua psique.

Resistências internas – 6/6 ( Em 22/07/2008 )

            São obstáculos situados entre a mente e a alma; uma rede, uma tela se interpõe   impedindo a comunicação entre ambas.
Imaginemos que, no percurso da piracema, armemos uma rede; os peixes não desovariam. Nossas resistências internas são essas redes: impedem os peixes que vêm da alma desovar em nossa mente.
Em conseqüência, perdemos a fé, a crença e tudo o que vem da alma; descremos inclusive de nós mesmos; não aceitamos os acontecimentos relacionados com o espírito.
- “é tudo bobagem.” Tornamo-nos donos da verdade.
A expressão “só acredito no que vejo, só acredito se eu vir” é bem a mostra do que essas resistências podem causar dentro de nós, como se o ser humano se limitasse apenas ao mundo da razão, da demonstração, da matéria.
As resistências atuam pelos atributos da mente, por isso se valem da razão para desacreditar de tudo o que estiver fora do racional.
Os meios de tentar corrigir isso são sempre os que estão voltados para nossa interioridade; a gargalhada é uma broca com que fazemos furos nessa tela, o bocejo, quando concentrado na tela, também é de grande eficiência. A contemplação: ficar o tempo que se puder olhando aquela tela; nada mais do que um olhar sereno sobre ela; apenas olhar.
Então o silêncio que fizermos enquanto olhamos se sintoniza com o silêncio do lado de lá; eles serão fatores incômodos para a permanência dos agentes que formaram a tela; esses se retiram apavorados porque o silêncio se realiza sem demonstração.

Maria - 1/6 ( Em 15/07/2008 )

            Desde menina, Maria se pôs a descer com a mente à própria interioridade; tão longe foi a ponto de achar Graça no Senhor. Ora, quem anda por essas distâncias, só pode alcançar a luz: Maria alcançou a luz no profundo silêncio de si mesma. As conseqüências desse alcance foram que Maria nos despertou para a Consciência.
O mundo anterior a Cristo era inconsciente: olho por olho, dente por dente. Maria Despertou a Consciência no ser humano e já sabemos que toda Consciência desperta é alma. Maria despertou em nós a consciência de que temos uma alma:

Toda lei humana emana da Consciência Divina para a consciência dos homens.
Então são dois níveis de lei: divina e humana.
Maria se submeteu à lei humana pelo casamento, por imposição da lei a moças de sua idade.   
Maria se submeteu às leis divinas pelo “faça-se em mim”. Lc 1,38
Maria viveu os dois níveis de lei em seu coração.
Maria conciliou os opostos em seu coração.
Dois opostos conciliados dão origem a um terceiro elemento diferente de ambos.
Da conciliação das leis divinas e das leis humanas, resultou a luz do Espírito Santo, no coração de Maria.
Como as leis são relacionadas com a sabedoria, Maria despertou a sabedoria em seu coração; como a sabedoria é atributo da consciência, Maria despertou a Consciência em seu coração. 
Já sabemos que toda consciência desperta é alma; Maria despertou a alma no próprio coração e nos mostrou que tudo se realiza pelo cumprimento dos dois níveis das leis divinas e humanas.
Cristo despertou o espírito humano; Maria despertou a alma humana; Sem despertar a alma, o trabalho de Cristo seria incompleto; não teria sustentação: para onde orientar o espírito, se não se tem a consciência da existência da alma?
Maria intercedeu pelo ser humano no sentido de abrir caminho para que o espírito possa alcançar a Luz Sagrada.
Se Maria se elevou pelo silêncio em si mesma, nós temos de nos elevar pelo silêncio em nós mesmos; qualquer devoção a Maria deve ser feita em silêncio.
Costuma se dizer que Maria foi escolhida; precisamos ter cuidado com esta palavra; fica a impressão de que essa escolha é resultado de um concurso, uma comparação. Não. Um candidato que tira nota dez em tudo esse não é escolhido; impõe-se porque preencheu todos os requisitos do concurso. 
Maria preencheu todos os requisitos de ser Mãe do Redentor, a ponto de privar com a Luz Divina.
Maria alcançou dentro de si mesma, a sintonia com o divino, nas mais altas esferas; 
estabeleceu uma empatia com os planos superiores; tocou em uníssono as cordas do diapasão sagrado.
Cristo sai da terra e exalta o espírito junto ao Pai; Maria sai da terra em silêncio: deixa a alma entre os homens.
            Salve Maria!

A arte de tocar violino - 2/6 ( Em 15/07/2008 )



 Um amigo me escreveu com base no texto sobre os estudos de Paganini, do dia 18/06/08. Ele gostaria de perceber algum aprofundamento na relação entre o violino e a mística. Tento; quem sabe alcanço o gosto de meu amigo.
Estranha arte a de tocar violino. Que coisa mais misteriosa! O sujeito tem um espelho com quatro cordas esticadas e nada mais. Como é possível que vá buscar a nota exata naquela superfície lisa? De onde vem isso? Um pouco mais, um pouco menos e a nota desafina. Nem se fale do peso do arco; aquilo é uma tonelada. Nem vou citar os quantos obstáculos e sutilezas se têm de superar.
Dirigir-se para a alma é como tocar violino. No violino, é preciso dominar o arco; na direção da alma, é preciso dominar a mente; a mente se afina quanto mais se aplica; também no violino mais se depura. 
Mesmo entre os violinistas, os timbres são diferentes, assim como entre os místicos. Raros foram os que conseguiram o som perfeito; como aquele cujas sonoridades saíram com tanta lucidez que repercutem ainda em nossos corações.

A Esperteza - 3/6 ( Em 15/07/2008 )

A Professora Sílvia Pereira teve a gentileza de me sugerir o tema da esperteza. Agradeço à Professora pós-graduanda este gesto de atenção. Muito obrigado Sílvia amiga. 
A esperteza é um ato de inteligência; já sabemos que inteligir é interligar, relacionar. No que concerne à esperteza é aplicar a inteligência em condições de usufruir benefício, não importa quais são os meios de que nos utilizemos, desde que alcancemos o fim a que ela é aplicada. Essa forma de esperteza é mais comum nos negócios, na política; há também a esperteza no saber urdir um raciocínio lógico no campo da jurisprudência, dos escritores, dos professores.
Está em plena vitalidade a esperteza de se querer libertar certo casal das barras da lei.
Essa esperteza, no entanto, atua apenas na horizontalidade: restringe-se ao confronto de duas situações concretas, busca relacionar fatos da História, conceitos entre si.
Temos da esperteza a idéia de que é passar a perna no outro e ficamos nessa linha horizontal do tempo.
Há, no entanto, um outro nível de esperteza cujos resultados não são percebidos, mas que são de fundamental importância. Relacionar o concreto com o abstrato também é um ato de esperteza; enquanto outros trilham pela horizontalidade, há os que querem chegar a seu destino, utilizando-se da esperteza de se anteciparem no relacionamento com seus planos superiores.
O homem que pratica esperteza na horizontal pode fugir da polícia, do fiscal, do imposto; o homem que pratica esperteza verticalizando-se é esperto no fugir do mundo;  pelo desapego, enterra-se nos buracos do coração; vive para sua alma.
Se podemos cometer atos de esperteza com os homens, por que não buscamos ser espertos com nós mesmos, em função de nossa alma?
A esperteza no âmbito da alma é manifestação apenas no começo, quando precisamos decidir; uma vez estabelecida a decisão, a esperteza se anula porque passamos a nada mais querer senão penetrar sempre mais nossa interioridade.
Esperto foi o Sísifo em todos os sentidos; se não conseguiu chegar ao topo com a enorme pedra, cada vez que ela descia, ele subia pela paciência, pela aceitação de recomeçar. Sísifo sabia que era natural à pedra não freqüentar as alturas, mas no que se relaciona com a alma, quanto mais se desce mais se sobe; que a alma nos quer descidos, despidos de tudo. Por isso, no livro O Fisher King, o Rei Pescador, o moço príncipe quer entrar no palácio à busca da princesa e o escudeiro lhe grita:
- tire essas roupas velhas que sua mãe lhe deu!
            O moço príncipe queria entrar no palácio da própria interioridade à busca de sua alma, a princesa, todavia não lhe seria possível com os costumes e hábitos antigos que vêm desde a infância. Esperteza do escudeiro!
Sem nos despirmos de tudo, a esperteza fica retida na teia do inconsciente.
Percebemos ainda que, talvez por falta de vivência com o sagrado, nossa mente não alcance como ser esperta senão por uma advertência de fora:
Moisés quer entrar no templo e o Senhor lhe grita:
- tire essas sandálias que o ambiente em que você está é sagrado. Ex 3,5 e Js 5,15
            Podemos não sentir nesses episódios como atos de esperteza porque estamos acostumados a lidar com o imediato, a resposta pronta e quem é esperto com a alma não tem resposta automática, que a alma nada entende de nossos botões eletrônicos.
            Moisés queria entrar no templo de si mesmo e o senhor lhe indicou que precisava abdicar das sandálias, isto é, de tudo o que está relacionado com a terra.
            Nessa mesma linha, entendemos por que o Cristo quer “colocar seus inimigos debaixo dos pés” 1 Cor 15,25.
Tudo o que é da terra deve ficar na terra e em tudo, atos de esperteza com que driblar nosso inconsciente. O inconsciente é o grande vigia que também sabe praticar esperteza e barrar tudo o que não lhe é afim.
            Para entrarmos em nós mesmos precisamos praticar a esperteza de nos livrarmos de tudo o que é do inconsciente; ele tem faro apurado; para driblarmos o inconsciente precisamos falar uma linguagem que ele não entenda; o inconsciente não entende a linguagem do amor, da justiça e nisso podemos ser mais espertos do que ele.
            A esperteza, como se percebe, é um ato de relação inteligente. A relação inteligente por excelência é aquela que liga nosso espírito com a alma
            Nisso consiste a maior das espertezas.

Prática da narrativa - Um obelisco no ar - 4/6 ( Em 15/07/2008 )

Era um suporte gigantesco, uma grande pedra; projetava-se para o alto; um obelisco de imensas proporções. Tinha, nas bordas, uma espécie de aura luminosa, como se banhada por luz solar, mas a luz era desmaiada, sugerindo ser irradiação do próprio ambiente. Os contornos do conjunto lembravam a “A Pietá”, uma escultura de Michelangelo representando Maria, a Mãe, com o Filho morto.
Eu não temia uma possível queda, apenas queria entender aquela beleza solta; isso me causou a perda de algum tempo no aproveitar a visão do momento. Em vez de me fixar na contemplação de conjunto tão harmonioso, eu me apeguei a um pormenor e deixei de captar a mensagem; perdi a oportunidade como aquele aluno; o professor expondo com efusões sua aula sobre a guerra de Tróia; classe atenta, um aluno levantou a mão:                 
- professor, ali não está faltando uma vírgula?
Vaia, muita vaia, é claro.
Também eu me incluí como vaiado por perder a oportunidade de analisar com mais atenção o significado de tudo aquilo.
- olha, vem vindo um asteróide deste tamanho; avisa ao povo.
Tudo isso aconteceu em um átimo de tempo, em absoluta solidão e eu não soube sintonizar-me com aquele silêncio.
Percebo agora aquilo como um degrau da escada por onde terei de subir. O difícil é dar o pulo de superar aquela distância. Não é como aquela escada que Jacó viu por onde os  anjos subiam e desciam Gn 28,12. Os anjos não têm peso; até que adquiramos a leveza para o salto, muita água terá de passar por baixo do rio.

Liberdade - 5/6 ( Em 15/07/2008 )

Não existe liberdade fora de ti.
Tu és movimento e repouso.
A angústia em ti vem de aderires apenas ao movimento.
Concentra no coração e te harmoniza com teu repouso.
Ser inteiro é isso: harmonizar esses opostos.
A liberdade não está em atenderes os anseios de teu corpo.
Teu corpo é a parte que não pensa; tu és pensamento.
A liberdade que procuras não está no espaço, nem entre amigos;
Não deixes de estar com eles,
Mas entende que só és livre no isolamento de teu coração.
O que contamina vem de fora para dentro de ti;
Não cedas ao que contamina; ele jamais cederá por ti.
Mundo fácil é o das ilusões e das promessas; sê forte em afastar-te delas. 
A verdadeira liberdade se realiza no cumprimento de nosso dever.
                       Ser livre é estar em paz com a própria consciência, pelo cumprimento do dever.

Estudo - Conto - 6/6 ( Em 15/07/2008 )

            Passei o dia todo em uma festividade; uma roupa bege clara; à noite seria o grande encerramento e eu não tinha outro terno que trocar; apenas uma calça, uma camisa de cor escura; pensei em não comparecer.
            Foi então que aquele homem me disse incisivo: - “você tem de ir para me ouvir”! Ficamos longamente sentados; ele em silêncio, eu com o intuito de puxar conversa, disse que ele estava passando por uma fase brilhante; ele esboçou breve sorriso de confirmação e permaneceu em seu silêncio sereno.
            Pedi auxílio a outras pessoas sobre minha carência de uma roupa; elas não se interessaram por minha causa; pareciam estar em outro plano e não entendiam minha linguagem de apego.
            Aquilo eram deslizamentos que a mente cria;  quando se solta, perde o pé-de-apoio e bóia buscando apego no primeiro poste que lhe esteja à frente e, na correnteza, vêm os toros de madeira “você tem de ir para me ouvir”.
Aquele homem decerto ia fazer uma conferência que eu precisava ouvir. Por vaidade não era, que ele permaneceu sóbrio? Por algo que eu precisava aprender? Confiança talvez? Eu deveria lhe fazer a crítica?
            Lembro-me que pensei em pegar um papel de anotações: pontos de vista que precisavam de confirmação?
            Não me lembro qual foi o grande místico pregador que adotava o hábito de colocar em meio a seus ouvintes, um monge de pouca instrução; após o sermão, teria de fazer perguntas ao pregador, mesmo descabidas, sobre o assunto de que tratara; o pregador perceberia se o que dissera fora entendido ou não; julgava também ser uma forma de quebrar o convencimento, a vaidade, o orgulho.
Quanto a mim, o que eu precisava ouvir era o silêncio daquele homem; o que eu precisava ouvir era sua voz de desapego que continua repercutindo em mim como lição de vida.

Inclemência ou indecência? 1/6 ( Em 09/07/2008 )

Pois é. Prenderam o homem. Há cinqüenta anos, levava o gadinho a pastar no lugar; veio a estrada de terra; e passou pela estrada de terra, uma juíza que o advertiu: ali não era mais lugar de pastar gado.
Embotado naquele mundinho, ele não sabia o que fazer; continuou. Prisão por três anos. Premiado por bom comportamento, ele não voltou; precisava cuidar da esposa acidentada. Segunda prisão, agora teria de viver com mais de 21 bandidos de toda espécie, apesar de seus 79 anos.
Dá pra perceber a mente canhestra dessa senhora!
Dá pra perceber os limites da prepotência?
Dá pra perceber a inclemência de alguns togados?
Esses mancham a classe; esses desconhecem a balança; esses fazem da arrogância imposição do poder.
Aqui sim se pode dizer: pobre Brasil em que os que têm o dever de zelar, confundem-se no lixo do preconceito, reduzem o Direito a fórmulas matemáticas: ou é oito e ou é oitenta.
Não cumpriu ordens, é desacato, é insubordinação, é sei lá o que mais.
Essa juíza se situou em um dos extremos e desconsiderou a idade, os costumes daquele homem da roça; a vivência com seus animais. Tudo foi de roldão!
Fala-se tanto do índio que tem direitos a isso, àquilo, àquilo outro e o que dizer desse homem com costumes sedimentados ao longo de cinqüenta anos? O que se disse a ele? Quando se chamou a família que ajudasse a demover aquele hábito de cada dia? Por que não se lhe ameaçou tirar o gado, como forma de ele despertar para o mandado? Por que não se conduziu o assunto de maneira humana, que não se ferisse a mente de alguém que está no fim da vida?
Atitudes assim são mais graves do que corromper uma criança; a criança ainda terá tempo de se recuperar do estrago; aquele homem nem o tempo tem a seu favor.
Essa senhora decerto desconhece a lei de causa e efeito; sobre ela recairá, com certeza, a carga sombria de sua atitude draconiana sobre um inocente. Isso não é rogar praga, já porque eu não conheço A nem B; isso é interpretar um mecanismo da natureza e de que ninguém escapa; nada fica sem resposta. Minha defesa é pelo desenvolvimento da mente humana que essa senhora obliterou.
Será que essa juíza tem consciência de que maculou a mente de um homem ao fim da vida! Será? O avançado da idade exigia preservação; ela devastou uma área sem mais tempo de ser replantada, que o eclipse se aproxima.
E se esse homem debandar de vez com a mente em frangalhos! No final das contas, é um inocente jogado no lixo; quem vai segurá-lo? A juíza?
Eis aí a lei posta nas mãos de prepotentes.
Cristo falando aos discípulos sobre acontecimentos do fim do mundo, diz: “ai das grávidas e daquelas que estiverem amamentando”.
As grávidas são essas; intumescidas pelo orgulho, pela vaidade de enfiar a faca da lei na cabeça de um homem às margens do fim.
As que estiverem amamentando são essas que, depositárias do poder, implantam transpirações de outros odores; com o braço levantado apontam a um homem simples o caminho para a convivência com a escória.
Eis aí um exemplo de mulher que adotou agir com os atributos do homem; perdeu a sensibilidade e perdeu o sentido de si mesma.

Isabella 2/6 ( Em 09/07/2008 )


            Apareceu aí um e-mail com fotos da menina Isabella, aquela menininha que foi para o céu por uma janela; a escolha da música é de extremo bom gosto, mas a mensagem peca pelo excesso de ponderações que a autora inseriu.
O texto é um pedido de desculpas à Isabella; louvável iniciativa. É trabalho excelente para um jornal, uma circular; no entanto ali, subordinado a mais dois fatores: às fotos e à música, perde a força de seu conteúdo. 
No texto sobre a Isabella, bastaria que a autora apresentasse duas ou três palavras incisivas e concernentes à situação sugerida em cada uma das fotos, conforme fossem mudando.
A música em si já sugere horizontes perdidos, coisas que se confundem na vastidão. As fotos de Isabella sempre rindo, conservando em seus reservatórios o viço da inocência. Não sei por que me ocorre que a flor viceja mais no pântano.
Ainda não se sabe onde era o pântano, mas a voz do povo aponta para certo norte, onde se diz haver muita água suja.
O fato é que a Isabella descansa de uma viagem que não fez; fizeram nela.
Eu só faço uma idéia da quantidade de carrapatos que devem estar sugando a consciência do agente e do acólito, se houve. Não! Eu disse mal, não há carrapatos sugando a Consciência; que a consciência não se envolve com essas sutilezas da lógica de matar e se esconder; não no campo da consciência. Isso se acumula, soma-se no inconsciente;  do inconsciente é que vem a baderna. O inconsciente é que deve estar em festa,um carnaval com trio elétrico cujo cantor não conseguiu ainda afinar uma nota nos palcos por onde passa com documentos que saem do nada para lugar nenhum. É que os lamentos dos cantos não encontram como organizar um coral que dê sustentação à voz de solo.
Recentemente se contratou um maestro que entrou no palco em grande estilo, mas logo de início a batuta quebrou e ele saiu deixando a platéia em suspense. Soube-se que anda fazendo uns ensaios extras, mas aí foi a vez da orquestra; sem batuta, não se alcançou o ritmo porque as mãos sem batuta eram inexpressivas e a música perdeu o elã, 
Nossa! Eu me perdi da Isabella e tratei de assuntos de que ela não participou! Era de minha obrigação permanecer com o e-mail, mas acabo verificando que fui conduzido por um fio condutor interno porque lá, como aqui predomina a desfiguração, o resultado inexpressivo.
Só a Isabella permanece em seu descanso. 

Referenciais 3/6 ( Em 09/07/2008 )

             Se chego a uma cidade que desconheço, tomo como referencial a torre da igreja, uma praça que dá acesso a certa rua; muitas vezes o referencial de um restaurante é certo prato que só ali é servido com tanto requinte e vai por aí a fora.
Também por dentro de nós, precisamos de referenciais que nos orientem nas decisões. O primeiro referencial interno deve ter sido implantado pelos pais, pelo exemplo que incutiram em nós.
- o pai dando exemplo de ação;
- a mãe dando exemplo de contenção;
Ambos propiciam à criança uma atmosfera de confiança, de justiça, de respeito, para que eles os tomem como modelos ao longo da vida.
A escola, a religião, uma boa amizade são fontes formadoras de referenciais que se insinuam na mente e repercutem toda vez que nos vemos em situação de decidir. Em situações decidir, aparece um norte, um farol: uma idéia que recolhemos da conversa com A ou B, com os professores fica como referencial.
Costuma se dizer que por trás dos grandes homens, há sempre uma mulher; essa mulher é o referencial; ele luta porque tem nela um modelo; essa mulher pode não ser a esposa; pode ser uma filha ou a mulher sonhada; de qualquer forma, sempre uma mulher.
Já citei aquela lenda inglesa: os náufragos quando vão descendo para o fundo do mar, vão ouvindo as canções que as mãe lhes cantaram na infância. Essas canções são referenciais, a voz da mãe é um referencial.
O bandido acuado amolece quando a polícia lhe fala de sua mãe; ele se entrega por influência dela.
A falta desses referenciais é uma das bases de nossos sonhos; sonhamos também com o que nos falta. Se alguém conta os sonhos, é observar se a base do sonho é a mesma: falta um referencial no espaço onde os sonhos têm sua fonte, como se fosse uma câmara vazia.
O último sonho que alguém me contou, era uma festividade e ele não estava vestido para a circunstância; procurou uma chave de certo armário; esquecera-a. Difícil situação por ter de se apresentar em mangas de camisa, em ambiente de etiqueta.
Como o sonho se repete, segundo ele, com certa persistência; é certo que algo está faltando; falta um referencial; se é de algo que falta, a alma pode preencher aquele espaço vazio. A única forma podermos preencher esses espaços vazios é um relacionamento mais íntimo com a alma; só a alma pode suprir o que falta porque sua energia preenche os espaços vazios, independente de sua causa. A alma é indiscutivelmente o maior dos referenciais. 

Ciência e ignorância 4/6 ( Em 09/07/2008 )

            Platão diz que entre a ignorância e a ciência existe um terceiro elemento: a reminiscência.
De fato eu posso saber algo sem conhecer esse algo. Minha alma viveu esse algo que eu não conheço e se lembra dele.
Sem que eu percebesse, esta idéia de Platão, tem orientado minhas afirmações desde o princípio: no interior de todos nós está a alma e seus atributos; eu não vi; sou ignorante quanto a isso, mas minha alma viu e sabe qual o caminho me faz chegar a certas regiões no interior de mim mesmo; ela tem a lembrança, a reminiscência.
Convém lembrar que, no contato com a matéria, a alma esquece de tudo; com o esquecimento, a alma fica limitada a emitir energias de repouso.Nós aqui de fora é que temos de abrir espaços em nós mesmos para que a alma possa nos enriquecer a visão interior.
Mas como foi que eu me esqueci disso! Por que só agora me lembrei: eis aí um exemplo típico de reminiscência. A alma despertando e me mostrando sua real condição de esquecida, na densidade da matéria. Nem é bem esquecida, mas isolada, incomunicável.
À alma só chegaremos pela meditação.
O tema é tão bonito que até me esqueci do que ia fazer. Já sei ia estabelecer um paralelo entre ignorância e ciência. Quando percebo, coloco-me no meio; não era aí que os latinos nos mandavam situar-nos? “virtus in médio”.
Guerreiros como eram, não sei como diziam essas coisas! É que também entre eles havia as castas e os alugados para a guerra; encontraram o meio como lugar da virtude; 
exatamente onde se situa a reminiscência da alma humana apontada por Platão.