A Professora Sílvia Pereira teve a gentileza de me sugerir o tema da esperteza. Agradeço à Professora pós-graduanda este gesto de atenção. Muito obrigado Sílvia amiga.
A esperteza é um ato de inteligência; já sabemos que inteligir é interligar, relacionar. No que concerne à esperteza é aplicar a inteligência em condições de usufruir benefício, não importa quais são os meios de que nos utilizemos, desde que alcancemos o fim a que ela é aplicada. Essa forma de esperteza é mais comum nos negócios, na política; há também a esperteza no saber urdir um raciocínio lógico no campo da jurisprudência, dos escritores, dos professores.
Está em plena vitalidade a esperteza de se querer libertar certo casal das barras da lei.
Essa esperteza, no entanto, atua apenas na horizontalidade: restringe-se ao confronto de duas situações concretas, busca relacionar fatos da História, conceitos entre si.
Temos da esperteza a idéia de que é passar a perna no outro e ficamos nessa linha horizontal do tempo.
Há, no entanto, um outro nível de esperteza cujos resultados não são percebidos, mas que são de fundamental importância. Relacionar o concreto com o abstrato também é um ato de esperteza; enquanto outros trilham pela horizontalidade, há os que querem chegar a seu destino, utilizando-se da esperteza de se anteciparem no relacionamento com seus planos superiores.
O homem que pratica esperteza na horizontal pode fugir da polícia, do fiscal, do imposto; o homem que pratica esperteza verticalizando-se é esperto no fugir do mundo; pelo desapego, enterra-se nos buracos do coração; vive para sua alma.
Se podemos cometer atos de esperteza com os homens, por que não buscamos ser espertos com nós mesmos, em função de nossa alma?
A esperteza no âmbito da alma é manifestação apenas no começo, quando precisamos decidir; uma vez estabelecida a decisão, a esperteza se anula porque passamos a nada mais querer senão penetrar sempre mais nossa interioridade.
Esperto foi o Sísifo em todos os sentidos; se não conseguiu chegar ao topo com a enorme pedra, cada vez que ela descia, ele subia pela paciência, pela aceitação de recomeçar. Sísifo sabia que era natural à pedra não freqüentar as alturas, mas no que se relaciona com a alma, quanto mais se desce mais se sobe; que a alma nos quer descidos, despidos de tudo. Por isso, no livro O Fisher King, o Rei Pescador, o moço príncipe quer entrar no palácio à busca da princesa e o escudeiro lhe grita:
- tire essas roupas velhas que sua mãe lhe deu!
O moço príncipe queria entrar no palácio da própria interioridade à busca de sua alma, a princesa, todavia não lhe seria possível com os costumes e hábitos antigos que vêm desde a infância. Esperteza do escudeiro!
Sem nos despirmos de tudo, a esperteza fica retida na teia do inconsciente.
Percebemos ainda que, talvez por falta de vivência com o sagrado, nossa mente não alcance como ser esperta senão por uma advertência de fora:
Moisés quer entrar no templo e o Senhor lhe grita:
- tire essas sandálias que o ambiente em que você está é sagrado. Ex 3,5 e Js 5,15
Podemos não sentir nesses episódios como atos de esperteza porque estamos acostumados a lidar com o imediato, a resposta pronta e quem é esperto com a alma não tem resposta automática, que a alma nada entende de nossos botões eletrônicos.
Moisés queria entrar no templo de si mesmo e o senhor lhe indicou que precisava abdicar das sandálias, isto é, de tudo o que está relacionado com a terra.
Nessa mesma linha, entendemos por que o Cristo quer “colocar seus inimigos debaixo dos pés” 1 Cor 15,25.
Tudo o que é da terra deve ficar na terra e em tudo, atos de esperteza com que driblar nosso inconsciente. O inconsciente é o grande vigia que também sabe praticar esperteza e barrar tudo o que não lhe é afim.
Para entrarmos em nós mesmos precisamos praticar a esperteza de nos livrarmos de tudo o que é do inconsciente; ele tem faro apurado; para driblarmos o inconsciente precisamos falar uma linguagem que ele não entenda; o inconsciente não entende a linguagem do amor, da justiça e nisso podemos ser mais espertos do que ele.
A esperteza, como se percebe, é um ato de relação inteligente. A relação inteligente por excelência é aquela que liga nosso espírito com a alma
Nisso consiste a maior das espertezas.
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