sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Deus bondoso – lenda - 1/6 ( Em 02/07/2008 )

            O Rodrigo me aparece com aquilo que ele chama de “provocações”. Mas não é que ele veio me provocar!  Lá do Amazonas, entrou aqui com a história daquele rei que não acreditava na bondade de Deus, por mais que seu escudeiro procurasse convencê-lo. Certa vez, foram à caça e uma fera lhe decepou um dedo. O escudeiro:

                                  - majestade, Deus ainda lhe preservou a vida!

                                  - mete esse sujeito no calabouço!

            Curado e esquecido, o rei voltou à caça e foi aprisionado por índios. No momento de ser sacrificado no altar do holocausto, os índios perceberam que o prisioneiro era imperfeito; não tinha um dedo; não servia para a cerimônia. Voltou ao palácio e mandou soltar o escudeiro.
- se seu Deus é tão bom, por que deixou você tanto tempo no calabouço?
- majestade, se Deus tivesse me soltado, eu teria ido e seria sacrificado por não ter defeito
  algum.

Eis aí a provocação do Rodrigo; muito obrigado meu amigo.

Para se ter uma idéia do que seja um escudeiro, basta lembrar o Dom Quixote em seu cavalo bem tratado, posição ereta; o Sancho Pança é o escudeiro,  pesadão,  montado num jumento, símbolo da pobreza, da limitação prudente. 
Na lenda, o escudeiro é homem humilde, está aberto, receptivo, integrado nos planos superiores; Deus se manifesta por essas aberturas que ele cavou em si mesmo.

O rei está:

- investido de um poder ilimitado,

- na condição de rei, tem todo poder ao alcance de seu trono.

- está fechado em si mesmo e a si se basta.

É preciso que venha a doença grave, um contratempo, uma perda de familiar, uma ameaça à vida, para que homens assim se voltem para dentro de si mesmos; interiorizem-se, passem a pensar sobre a fragilidade de sua condição.
Os pobres comumente são homens interiorizados; são forçados a entrar em si para conter a agressividade da fome da gastrite e coisas tais.
Esse escudeiro era um homem pobre a serviço do rei e se colocou a serviço de Deus: suportou o calabouço pela firmeza de suas idéias. Aquilo lhe foi um retiro para sua união com Deus; enquanto isso, o rei precisou passar por algumas provas:
- de dor, pela perda do dedo;
- de humilhação, rebaixamento de sua autoridade, ser preso por índios;
- de ser submetido à imolação num sacrifício bárbaro. 
- chegar ao limiar da morte. 
- ser salvo pelo motivo que deu origem a sua ira contra o escudeiro. 
- foi rejeitado até num ofício religioso entre os índios
A mensagem do texto parece clara: se o homem não comete aberturas em si mesmo, será fatalmente vítima de imprevistos que se colocam além de seus limites.
            Poderíamos analisar o texto ainda em função de opostos: a mente do escudeiro em oposição à mente do rei; as duas se conciliaram em Deus: o rei se iluminou e passou a acreditar na bondade de Deus; pela bondade de Deus o rei libertou o escudeiro.
            Observemos que o rei já aceita Deus como bondoso, só resta uma dúvida:
- se Deus é assim, por que deixou você tanto tempo no calabouço?
Era essa a única dúvida do rei, para que aceitasse a idéia de que Deus é bondoso. De pronto o escudeiro responde:
– se Deus não fosse bondoso, teria mandado você me soltar; se eu estivesse solto, teria ido com
   você e morreria porque não tenho defeito no corpo. 

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