Encontrei um homem magro, catador de papel. Puxava uma carroça na ladeira. O esforço era enorme. Ofereci-lhe uma contribuição pelo esforço.
Ele rejeitou.
Seria orgulho? Seria nobreza? Entrega de si mesmo? Não poderia ser orgulho porque, quem se submete a essas agruras, já não está em si; abdicou de si mesmo, por uma causa maior. Qual seria a causa maior? A família? A abdicação de tudo?
Não creio que fosse a família porque, parece, ele não poderia rejeitar uma contribuição que lhe veio sem que pedisse; ela poderia fazer falta ao filho carente de um remédio ou coisa assim.
Prefiro ver aquele homem carregando a própria solidão; trabalhar duro para a sobrevivência. Se assim era, ali estava um perfeito monge moderno.
Colocou-se à margem da sociedade para ser mais, diante de si mesmo; chamar de dentro as forças de suas potencialidades.
Aí de fato o sustento já se faz por energia. Se nosso alimento é energia condensada, ele vive da energia líquida; disponível a granel.
O homem é, por natureza, orgulhoso de sua condição de homem; quando desce a essas margens do não-ser no mundo, é porque uma voz lhe fala no interior, e ele se coloca a serviço de ser uma mensagem para “quem tiver olhos de ver”
Uma presença sagrada o orienta; porque o sagrado tem visão além da cor da pele e da falta de banho; vê a grandeza do sagrado que homens assim construíram em si mesmos.
Aquele homem já não era ele; era o sagrado nele e rejeitou minha oferta porque não sabia o que fazer com ela; estava em outro plano.
Percebo então que me guiei pelas aparências. Aquele homem precisava sim de uma palavra com a qual encontrasse sintonia em sua interioridade; eu quis lhe dar o pão, mas o pão de que ele precisava tem fermento no coração e eu não vi isso: faltaram-me os “olhos de ver”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário