Este concerto de Handel sempre me parece um grito da alma desesperada; quer ser ouvida pelo Criador; que seus clamores estabeleçam o diálogo. As frases representam falas da alma; elas terminam sempre com um tom para cima, de quem interroga: a frase fica suspensa; como quem dissesse: “por que eu estou aqui? Por que, Senhor?” E a voz do Senhor é serena em intervalos das notas em terças e quintas de extrema suavidade. A orquestra se esmera por ser fiel à sensibilidade do autor e tem-se a impressão de que o Senhor fala deslizando sobre um lago, dada a situação de leveza e contemplação que o quadro inspira no ouvinte.
O movimento começa com um grito e, apesar de grito, nada se perde da harmonia, como se a alma tivesse pressa em ser ouvida. É tão ajustada a composição que se sente a distância da alma; ouve-se a alma a distância entre a alma e seu Senhor.
É preciso situar-se no tempo em que o autor viveu e aceitar a concepção da obra sobre a alma como foi imaginada. A visão de Handel é do século 16 e é curtir a profundidade do texto, já porque não há o que discutir quando o gênio se exprime pela sensibilidade de um Handel; é um autor cuja música parece que escapa até pelos poros.
No afã moderno de se experimentar, passou-se a fazer música não mais ligada à contemplação; agora são os extratos psicossomáticos; e a música saiu da interiorização para a hilaridade; saiu da câmara interior para os extratos da rua. Mas tudo isso são vendavais passageiros; eles podem até destruir a casa; mas os alicerces estarão lá e os moradores voltarão a encontrar a tessitura, a armação que Handel nos deixou para que recoloquemos de volta os sons como originários da interioridade .
Handel será o centro de nosso interesse pela obra desse estilo ímpar
Mas é preciso voltar ao diálogo entre a alma e o Criador. Handel deixa entender que a alma não tinha consciência do papel que exerce na terra e o diálogo se verifica a nível de explicação, em que ela pergunta e o Senhor esclarece; os gritos da alma assumem uma tonalidade cada vez mais de surdina, porque adquirem certa opacidade e se percebe que a fala dela entra na tonalidade do Criador e a frase termina com uma nota longa que vai perdendo força, como se os dois se unissem pela mesma compreensão das funções de cada um, cada um em seu plano.
Coisa de gênio; um gênio incomum.
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