Quem me disse que a velhice é uma oportunidade? Bem, mas e se for de fato? Fico pensando no homem mau que eu fui; tem na velhice, um momento de se isolar para aprender a se desapegar; desapegar significando: não esperar de ninguém; fechar os olhos ao mundo, e se interiorizar com a consciência de que os de fora nada podem fazer. Por que no fim da vida, eu vou me revoltar? Quem tem culpa de minha realidade?
O idoso teria de ter treinado um olhar sobre si mesmo, encontraria, na própria interioridade, estímulos para mais procura em si mesmo. Agora os registros já se endureceram e ele perdeu as rédeas. Olha para trás, à procura do que perdeu.
Faz lembrar o Orfeu; O Orfeu era um cantor da Grécia antiga; ele perdeu a Eurídice porque olhou para trás. Tinha ido buscá-la na região dos mortos; foi tão belo seu canto que a rainha lhe concedeu trazer a Eurídice, com a condição de que ele não olhasse para trás. Orfeu, quando voltava, já não cantava; tinha conseguido o que queria; por não cantar, vieram as vozes de dentro com mil cogitações: será que a Eurídice está aí? E se eu fui enganado? Não resistiu à gritaria interna e olhou para trás. Viu Eurídice que o seguia; perdeu-a para sempre.
Que os velhos, ou candidatos a velhos aprendamos com Orfeu. Em nós a alma também nos acompanha na viagem de volta; se olharmos para o passado, nossa alma, não tem passado nem futuro; se olharmos para trás, a alma se recolhe. No passado, não há lugar para ela. É bom aceitar essa idéia: a velhice é uma oportunidade; se fizermos antes dela um constante exercício de abdicação; abdicação de si mesmo, nada esperar de ninguém.
Entender que quem queira nos ajudar, não nos alcança; está sempre retaguarda, jamais nos acompanha porque ali somos sós. É irmos nos apagando antes que tudo se apague.
Tenho consciência de que a velhice deve ser encarada como um estado mais elevado em que nos doamos a nós mesmos, sem fazer da vida um espeto para os outros.
Quem está dentro da carruagem, deve apenas contemplar a paisagem que vai ficando para trás até que, num dado momento os cavalos se revestem de fogo, ganham asas e alcançam um vôo infinito.
Contemplar essas mudanças é função do viajor rumo às estrelas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário