- O que te diz a vassoura?
- Nós falamos de nosso destino acanhado.
- Tens confidências com ela?
- Falamos de nossas limitações.
- E se ganhasses na loteria?
- Eu iria pelas ruas conversar com os outros colegas.
- E se te aparecesse uma loura, uma morena bonita e sedutora?
- Não vá o sapateiro além da chinela, moço! São sonhos que não cabem na minha cabeça.
- Eu só sei falar com a vassoura. Nosso destino é igual: seremos descartados.
Saí arrasado. Aquele gari era um místico em missão de limpar inclusive a mente que vai poluindo as ruas e outras mentes. Ele se aceita em suas limitações: se ganhasse na loteria, iria conversar com os outros; tinha limitado os próprios sonhos.
Ocorreu-me um pensamento, e se em vez de ficarem aqueles homens lá na ONU discutindo como limpar o planeta, que tal se fossem garis? Seriam mais práticos, eficientes e objetivos, mais interiorizados.
Eu fui despertado por aquele homem simples. Sua teoria de não ir além dos limites é perfeita.
Uma lição de vida; que eu viva com a cabeça voltada sobre mim mesmo; não me sirva do outro que limpe o que eu vou deixando pela rua, indiferente ao que vem atrás corrigindo minha falta de educação.
“Seremos descartados”. Nisso aquele homem não se limitou a nós dois; todos fomos atingidos por aquela síntese de advertência; ele alcançou o mesmo nível que encontramos nos textos bíblicos: “lembra-te de que és pó e que em pó te hás de tornar”.
Na síntese, a dura advertência que eu tive de engolir, porque não sei ser simples como o homem a quem abordei na rua.
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