segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O carnaval e o nu - 3/4 ( Em 07/02/2008 )

Vi o carnaval; vi de oitiva e o que vi era o nu. Beleza de nu! Como pode haver tanta exuberância! Onde a natureza foi buscar aquela fórmula? E vêm me dizer que está capengando...
Talvez ela tenha laboratórios secretos de dar tanto relevo a certas peças de sua engrenagem.
Garanto que Deus não sabe dessas coisas, senão não deixaria. Como pode!
E você vem com essa: - nunca viu? Não. Eu sou da geração dos atarracados; éramos privados de qualquer cogitação. A intensidade do sol nos tirava a visão dessas estátuas de carne.
Mas, voltando ao carnaval, tenho a impressão de que foi o Adão quem estabeleceu a norma para entendermos as duas dimensões do nu: o nu daquelas esfinges e o nu com que ele Adão se percebeu ao chamado do Senhor: - “estou aqui Senhor, percebi que estava nu e me escondi”.
Antes de comer a maçã, ele estava nu; comeu a maçã e se vestiu? E o que dizer daquelas mulheres? Elas nunca comeram a maçã para estarem nuas! Se comeram a maçã, como puderam apresentar-se sem as folhas da parreira?
Que confusão! Chego a pensar que elas nem estavam ali; eu é que enxergava demais, com meus olhos de apetite.
No “Fisher King”, o moço príncipe pretende entrar no palácio à busca de uma mulher; ( a alma) então o escudeiro lhe grita: “tire essa roupa velha que sua mãe lhe deu”!
O sentido deve ser outro; tudo está muito confuso!
Um escudeiro é símbolo de ponderação bom senso; com certeza não iria querer aquele esqueletozinho exposto ao sol. É. O sentido deve ser outro: o de preparar o jovem  a entrar no reino de si mesmo; teria de se despojar das roupas velhas ou dos velhos costumes, hábitos antigos de que era necessário desvincular-se para alcançar o palácio de sua interioridade. A essas regiões nada se leva senão o vazio de si mesmo.
Então temos: de um lado, a beleza pura de encantar nossos olhos; a maçã na macieira; do outro o nu da solidão, da abdicação da entrega de si mesmo, despojado de qualquer adereço que não seja o vazio do coração.
Lembra? Os soldados conduziam o Cristo e diz o texto que um moço o acompanhava; os guardas o pegaram; ele se desvencilhou do roupão e fugiu nu.
Deixou ali a roupagem que o impedia de entrar no próprio reino.
Um exemplo mais recente é o de São Francisco: o pai levou o moço filho à presença do bispo, que o filho fizesse juramento de não gastar os bens do pai com os pobres ou seria renegado; não seria mais seu filho. O moço Francisco deixou caírem todas as peças de seu vestuário e se retirou nu. Tão nu que o bispo tirou de si o próprio manto com que o mandou cobrir.
É um outro aspecto da beleza; mais sutil, mais fino e verdadeiro porque não alimenta ilusões. Aquelas mulheres estão ainda ensaiando o vôo para a nudez definitiva; o tempo passa e elas chegam lá e se despirão de todos os ornamentos externos; terão de si mesmas uma visão que não poderemos alcançar.

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